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by Brunelson

Mark Lanegan: "a heroína me impediu de morrer de alcoolismo"


Screaming Trees

"Se não é literatura, eu não queria fazê-lo", disse um sóbrio há muito tempo Mark Lanegan, sobre o seu novo livro autobiográfico, "Sing Backwards and Weep".


Um dos grandes sobreviventes do grunge, o vocalista que atuou pelo SCREAMING TREES e como cantor de apoio em bandas como MAD SEASON e QUEENS OF THE STONE AGE, Lanegan expõe em seu livro a parcela de culpa pela morte de Kurt Cobain, o seu desentendimento com Liam Gallagher (vocalista do OASIS), o seu ano de quando ficou limpo das drogas e muito mais...


Em recente entrevista ao jornal britânico The Guardian, ele também revela por quê escrever as suas memórias doeram nele.


Mark Lanegan nasceu de uma mãe abusiva e de um pai alcoólatra, com o cordão umbilical enrolado no pescoço. As coisas pioraram a partir daí...


Aos 12 anos, ele era um "jogador compulsivo, um alcoólatra incipiente, um ladrão e um viciado em pornografia". Aos 18 anos, seu registro criminal incluía arrombamento e furtos em lojas, porte de drogas, vandalismo, fraude de seguros e 26 acusações como menor de idade.


Aos 21 anos, ele estava em uma das bandas seminais do grunge de Seattle, SCREAMING TREES. Não que ele quisesse, pois era a sua única rota para fora da "cidade empoeirada de vacas" em Ellensburg, Washington, que ele deixou na trilha da "decadência, depravação, qualquer coisa e tudo".


Aos 29 anos, oito álbuns depois e morando em Seattle, Lanegan era um fumante assíduo, usando cuecas sujas e vestido num roupão manchado, onde ficava assistindo novelas quando um dos seus melhores amigos continuava telefonando para ele.


Ele decidiu não atender...


Era Kurt Cobain, que se matou mais tarde naquele mesmo dia.


Haveria muito mais mortes na vida de Mark Lanegan, uma vida que incrivelmente continua acontecendo. Agora, com 55 anos, sóbrio e muito sóbrio - que teve uma segunda carreira digna lançando discos solo, além de participações em outros grupos - Lanegan foi entrevistado recentemente pelo jornal The Guardian e falou sobre o seu novo livro autobiográfico, "Sing Backwards and Weep".


Porém, na 1ª parte desta entrevista realizada em dezembro de 2019, Lanegan não quis falar sobre as suas memórias. Ele está na frente de um espelho em seu camarim para realizar um show naquela noite em Londres, no icônico clube Roundhouse, concedendo autógrafos em livros e olhando as páginas através de óculos grossos.


O contato visual é praticamente nulo. A atmosfera derrete brevemente quando ele sai para fumar 03 cigarros, apertando-os em seus dedos tatuados por estrelas: "Muitas vezes eu queria parar de escrever o livro, mas tinha uma obrigação a finalizar", disse Lanegan retornando ao camarim - assim como o seu vocal, a sua voz narrada é magnífica, pesada e áspera.


Lanegan havia prometido a um amigo - o falecido escritor e chef do Kitchen Confidential, Anthony Bourdain - que ele escreveria as suas memórias. Bourdain o encorajou a fazer um prefácio à sua coleção de letras de 2017.


Bourdain amava as suas letras e o pressionou a escrever um livro: "Anthony havia me dito: 'Precisa haver um nível de honestidade além do que você se sentirá confortável, para que não seja uma autobiografia ruim de rock'. Essa era a última coisa que eu queria fazer, sabe? Isso pode soar ridículo, mas se não fosse para ser uma literatura, eu não queria fazer isso".


Bourdain se matou em 2018, quando Lanegan tinha apenas 04 capítulos prontos: "Eu tive que terminar o livro por ele". Lanegan oferece uma breve piscada de humor: "Eu também recebi dele 1/3 do adiantamento para o livro e não pude pagar de volta".


O livro "Sing Backwards and Weep" apresenta fatos da vida de Lanegan até o final dos anos 90. Ele não quis incluir a sua infância no livro, dizendo: "Me disseram que eu não tinha criado a minha vida musical no vácuo, porque teria que haver alguma história de fundo no livro".


Os seus pais foram "produtos de extrema pobreza e privação cruel", mesmo sendo professores. A sua mãe, Floy, viu o pai sendo assassinado em seu gramado quando criança. Ela tratou o filho abismalmente quando ele quebrou o fêmur aos 08 anos de idade e numa hora, quando ele estava de pé, num acesso de raiva a sua mãe deixou cair uma caixa de livros de capa dura na cabeça dele. Lanegan disse que gostava mais do seu pai, Dale, falando: "Era um homem de bom coração, carinhoso e que tinha boas intenções, mas não conseguia me controlar".


No ensino médio uma foto de Iggy Pop na revista Creem mudou a vida de Lanegan, abrindo os olhos e os ouvidos para o punk rock. Inicialmente, tornar-se um músico não era emocionante para ele, pois Lanegan nunca se dava bem com os seus colegas de banda no SCREAMING TREES.


"Muitas vezes me vi contando os segundos antes de estrangular o guitarrista Gary Lee Conner até a morte", escreve ele sobre um dos membros fundadores da banda. Antes da explosão do grunge, SCREAMING TREES tinha assinado um contrato com a super gravadora Epic Records e tiveram a sua parcela de sucesso com a clássica canção "Nearly Lost You" em 1992 - quando Lanegan havia assumido o controle da banda.


Mas nem tudo estava bem. Lanegan disse: "Basicamente tive que ficar numa banda que não gostava só para ganhar dinheiro e sustentar o meu hábito nas drogas".


As histórias de drogas contidas no livro são implacáveis e sombrias. Sobre a heroína, que é mencionada 102 vezes durante o livro, Lanegan falou: "A heroína me impediu de morrer dos horrores do meu alcoolismo severo".


Durante uma turnê em 1992 com o SCREAMING TREES, ele descreve que estava no hospital com um braço tão infectado que os médicos pensaram na hipótese de amputá-lo. As muitas histórias sobre sexo geralmente giram em torno de drogas também. Durante esse período no hospital, o seu técnico de bateria tentou e falhou em conseguir para Lanegan que uma prostituta fizesse o "boquete final como uma pessoa que ainda tinha os 02 braços", nas escadas de emergência do hospital - mesmo que Lanegan estava tomando uma injeção intravenosa.


Hoje, Lanegan se sente mortificado por comportamentos como este...


Ele também documenta com ternura a sua amizade com Kurt Cobain. Junto com o amigo em comum, Dylan Carlson, Lanegan viu o NIRVANA pela 1ª vez em 1988 se apresentando num centro comunitário. "Voltei ao meu casebre deprimente naquela noite com uma eletricidade nos meus pés e uma nova flutuabilidade de espírito", escreve Lanegan sobre o show do NIRVANA. "Tinha acabado de experimentar algo tocado pela grandeza".


Cobain e Lanegan se tornaram bons amigos, iniciando um projeto que fazia covers de Leadbelly que acabou ficando sem gás - THE JURY era o nome da banda, que contava também com Krist Novoselic no baixo e com o 1º baterista do SCREAMING TREES, Mark Pickerel.


Lanegan adaptou a versão de Leadbelly da canção "Where Did You Sleep Last Night" gravada pelo THE JURY, em seu álbum solo de estréia em 1990, "The Winding Sheet". Lembrando que o NIRVANA imortalizou esta música no acústico da MTV em 1993.


Ele acha difícil falar sobre Kurt Cobain... Ele não atendeu o telefone de Cobain porque não queria comprar drogas para o amigo, além do fato de Cobain e Courtney Love estarem brigando muito naqueles dias e ele não queria se meter. Lanegan disse: “Eu conhecia Kurt há muito tempo antes de ele ser uma estrela do rock. Eu o considerava um querido irmãozinho e essa é uma culpa que sempre terei em mim".


Também é um livro profundamente sensível. Há uma cena comovente em que uma das muitas ex-namoradas de Lanegan, a vocalista Selene Vigil da também banda grunge de Seattle, 7 YEAR BITCH, lhe pergunta: "O que aconteceu com você para deixá-lo tão triste?" Ainda dizendo que "a sua dor transborda em torrentes".


Lanegan também escreve maravilhosamente sobre subir ao palco com grandes artistas como Nick Drake, Leonard Cohen e Tim Hardin, assim como ele estava vendo Neil Young num show em 1996, enquanto o SCREAMING TREES estava em turnê com o OASIS.


Este capítulo também envolve um hilário confronto entre Lanegan e o “incômodo mosquito” Liam Gallagher (vocalista do OASIS), que ele diz ser uma pessoa desesperada para ter o seu pedaço de torta: “Liam continuava parado lá me olhando, como uma criança petulante tentando parecer ameaçadora e com todo o fator de medo de um Steven Seagal (ator) de nível Z”.


O livro termina em 1997, após o período de reabilitação de 01 ano que Courtney Love pagou para ele: "Ela teve um impacto direto na minha vida e não tenho nada além de amor por ela".


Lanegan ainda vai escrever sobre os anos seguintes? "Não, de jeito nenhum”, ele responde, lembrando-se da dor que foi em colocar as suas histórias à tona: "Eu não faria isso novamente".


E como uma das formas de motivação para escrever o seu livro, Lanegan disse: "Para não precisar mais responder a perguntas".


Desde então, ele passou a vida tentando se distanciar daqueles dias de trevas para ter algum tipo de carreira na música: "Conheço tantas pessoas daquele período que não fazem mais música - e eu não queria ser mais uma". E por que escrever sobre esses anos? "Porque significa que não preciso mais responder a perguntas. Se alguém quiser saber como foi essa experiência, é só ler o livro...”


Lanegan gesticula enquanto assinava as páginas dos livros a sua frente, então, num momento ele me olha e com o único sorriso do dia, ele complementa: "Está tudo lá no livro".


Na 2ª parte da entrevista, conversamos novamente no início de março de 2020 em seu estúdio caseiro na cidade de Burbank, California.


Desde que ficou limpo das drogas, Lanegan vive na California e nesta 2ª etapa de nossa entrevista, ele é uma pessoa muito mais calorosa e brilhante do que foi em Londres, se desculpando profusamente pelo nosso encontro anterior.


A sua esposa, a musicista Shelley Brien, estava no hospital quando nos conhecemos em Londres, Lanegan estava atrasado naquele dia, não sabia que seria entrevistado por mim até aquele dia e estava ansioso pelo show que iria fazer na sequência, o que considerou o melhor de sua vida, dizendo: “Tocar música no clube Roundhouse em Londres para tantas pessoas, onde muitas não tinham nada a ver com esse período que escrevi em meu livro, tipo, aquilo significava alguma coisa, que eu havia transcendido as coisas".


Lançado para acompanhar o lançamento do livro, o próximo álbum solo de Lanegan, "Straight Songs of Sorrow", o vê em um território muito mais confortável: "As músicas geralmente não são sobre a vida real para mim, elas começam com algum tipo de realidade ou humor, mas depois são lançadas de outra maneira. Mas estas músicas estavam relacionadas a lembranças por causa de onde eu estava, olhando para trás o que é algo que raramente faço. E para mim, escrever música é uma experiência alegre, independentemente do conteúdo”.


O humor negro se espalha pelo álbum, enquanto Lanegan se descreve como um Atlas ferido e um traficante idoso: "Ah, que bom que você ouviu esse humor... Está lá há anos e eu gostaria que as pessoas ouvissem isso com mais frequência”.


Ele ainda escreve músicas sobre o quão satisfeito ele está por não ter “herdeiros da minha doença / mais ninguém para amaldiçoar com esse gene”. Mas ele também fala calorosamente sobre a próxima geração mais ampla de sua família: "Eu tenho 03 sobrinhos lindos da minha irmã mais velha - um tem 14 anos e já é melhor fazendo música de quando eu tinha 33 anos. Foi a bênção da minha vida vê-los crescer".


E Lanegan gosta de envelhecer? "Todas as besteiras sem sentido e estressantes que parecem tão importantes quando você é jovem deixaram de ter importância. Alguém me disse uma vez: 'Você envelhece ou não'. Acontece que estou muito feliz por estar envelhecendo”.


Lhe perguntei se escrever o livro e compor o novo álbum também sublinhou o quanto ele mudou para melhor, Lanegan respondeu: "Gostaria de poder dizer que sou um exemplo perfeito de transformação e transcendência, mas ainda sou basicamente um cara que se considera um cozinheiro de café da manhã que só canta há algum tempo".


Ele finaliza rindo sombriamente: "Eu ainda sou uma pessoa profundamente falha... A diferença é que estou ciente disso".


Confira o áudio de estúdio da canção "Bleed All Over", lançada no novo álbum de estúdio de Mark Lanegan, "Straight Songs of Sorrow" (2020):

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