Nirvana: dissecando cada música do álbum “Nevermind”.
O que pode ser dito sobre o melhor disco de rock de uma geração? Ele mudou a música como a conhecemos, inspirou músicos de todo o mundo a pegar um instrumento, criando uma rebelião e atitude que eram diferentes de tudo o que já tinha estourado no cenário musical desde então. Por todas essas características que definem um álbum clássico, “Nevermind” (2º disco do NIRVANA, 1991), se encaixa nesse molde.
Uma das minhas primeiras lembranças de “Nevermind”, foi quando eu era um moleque de 12 anos e escutei a música “Come as You Are” na casa de um colega da escola. Lembro do clássico riff dessa canção, que foi um remédio para todas as músicas que eu andava escutando na rádio e não sabia para que lado correr. Começando a andar de skate, conhecendo a galera do skate e a galera que tinham bandas de garagem na cidade, admito que a 1ª banda de rock que eu comecei realmente a curtir era os RAMONES, mas com a fama do NIRVANA chegando ao Brasil naquele verão de 1991/1992, trazendo em suas asas sônicas toda aquela legião de bandas de Seattle, o início da minha rebelde adolescência estava se originando. Logo depois, comprei o CD importado e fui loco pra casa para escuta-lo inteiro, música por música (assim como eu faço até hoje com qualquer álbum que eu escolha para escutar). Quando a bateria de introdução da 1ª música saiu do aparelho de som, da canção “Smells Like Teen Spirit”, as janelas da sala literalmente tremeram (como esquecer o impacto que essa bateria fez em mim, conseguindo “enxergar” a confluência de sons do bumbo com a caixa..., aquilo realmente tinha um sabor e continua mágico).
O disco “Nevermind” completou 25 anos de vida agora em Setembro/2016 e como homenagem, iremos dissecar cada música desse incrível álbum, em ordem cronológica:
1- “Smells Like Teen Spirit”
Em uma entrevista à revista Rolling Stone em Janeiro/1994, o frontman do NIRVANA, Kurt Cobain, revelou que essa música foi uma tentativa de escrever uma canção no estilo da banda PIXIES - um grupo que ele sempre admirou.
Ele disse: "Eu estava tentando escrever a última música que iria entrar no disco. Eu estava basicamente tentando arrancar alguma coisa do PIXIES, eu tenho que admitir. Quando ouvi o PIXIES pela 1ª vez, eu me conectei com a banda tão fortemente que deveria ter sido um membro dessa banda, ou pelo menos formar uma banda cover deles. Nós usamos o senso de dinâmica suave e silencioso, para que em seguida, ficasse alto e pesado".
Cobain não começou a escrever essa canção até poucas semanas antes da gravação do álbum ter iniciado e os companheiros de banda não gostaram dela em sua 1ª audição. Quando Cobain estava apresentando a música para os seus colegas de banda (que no início era composta apenas pelo riff principal, com uma melodia vocal no refrão), o baixista Krist Novoselic chamou a canção de: "ridícula".
“Em resposta, Kurt fez a banda tocar o riff por mais de 01 hora no estúdio”, disse Krist em uma entrevista para a revista Guitar World em 2001, onde recordou que depois de tocarem inúmeras vezes o mesmo riff, ele havia pensado: "Espere um minuto. Por que nós apenas não desaceleramos isso um pouco? Então, eu comecei a tocar a parte do verso no baixo e Dave engrenou uma batida para a bateria. A música "Smells Like Teen Spirit " é a única canção de ‘Nevermind’ que foi creditada aos 03 membros da banda como os autores".
Durante um concerto em Dezembro/2015, de Kathleen Hanna (ex-vocalista da banda BIKINI KILL), ela contou a hilariante história de como Cobain criou o título dessa canção, logo depois que ela havia escrito a frase "Kurt Smells Like Teen Spirit" na parede do apartamento em que ele vivia na época. Cobain afirmou mais tarde que não tinha conhecimento de que “Teen Spirit” era uma marca de desodorante, até meses após de quando o single foi lançado. Mas o resultado final de "Smells Like Teen Spirit" traz um gancho que é algo que os guitarristas sonham que um dia essa graça caia sobre eles. Quando os vocais de Cobain se aninham, o baixo trovejante de Krist Noveselic se mistura a batida pesada e rápida da bateria de Dave Grohl , o que você tem é uma das maiores músicas de rock de todos os tempos.
2- "In Bloom"
A canção "In Bloom" inclui algumas das letras mais inteligentes de Cobain. Uma parte dela diz:
"Ele é o único / Quem gosta de todas as nossas lindas canções / E ele gosta de cantar junto / E ele gosta de atirar com a sua arma / Mas ele não sabe o que isso significa".
Essas letras também abordam as pessoas que eram de fora da cena underground e que começaram a aparecer nos shows do NIRVANA - quando o grupo ainda estava fazendo a turnê do seu 1º álbum de estúdio, “Bleach” (1989) – sendo que o vídeo clipe é igualmente apropriado...
3- "Come as You Are"
No livro, “Nevermind: Nirvana”, Cobain disse ter descrito a letra de "Come as You Are" como algo conflitante, dizendo que a pista estava sobre: "as pessoas e como elas são esperadas para agir em uma determinada situação". Assim como está escrito em sua letra:
“Leve o seu tempo / Se apresse / A escolha é sua / Não se atrase".
Tornou-se um dos maiores sucessos do NIRVANA e é uma mudança definitiva de ritmo se comparada com o 1º single do álbum, a música "Smells Like Teen Spirit".
4- "Breed"
Bruce Pavitt, co-fundador da gravadora independente de Seattle, Sub Pop, e autor do livro “Experiencing Nirvana: Grunge in Europe”, explicou que a música "Breed" era hipnótica e uma descoberta estilística para a banda, alegando que: "o público ficava literalmente em êxtase quando eles tocavam essa música nos shows. A plateia estava experimentando o NIRVANA e quando você está experimentando algo realmente bom, um rock’n roll realmente primitivo e sincero, você entra em um transe emocional”.
Essa canção foi composta sob o título de "Immodium", em homenagem ao amigo de Kurt, Tad Doyle (vocalista da banda TAD, também de Seattle), que tomava esse remédio para tratar da sua diarreia - experiência vivida quando as 02 bandas saíram juntas em turnê na divulgação do álbum “Bleach”, do NIRVANA.
5- “Lithium”
Uma parte da letra diz:
“Acendi as minhas velas / Atordoado / Porque eu encontrei Deus”.
Originalmente começado como um pedaço de poesia escrita por Cobain, "Lithium" se tornou um dos mais populares hinos do NIRVANA para se cantar junto. Em uma entrevista para a revista Flipside em 1992, Cobain disse que a canção é sobre um homem que, após a morte de sua namorada, volta-se para a religião: "como um último recurso para se manter vivo e para mantê-lo longe do suicídio". Embora a história de "Lithium" seja fictícia, ele adicionou: "Eu infundi algumas das minhas experiências pessoais na letra, rompendo com namoradas e tendo relacionamentos ruins".
No livro “Come as You Are: A História do Nirvana”, por Michael Azerrad, Cobain também reconheceu que a canção foi inspirada pelo tempo em que ele passou a viver com o seu amigo Jesse Reed e seus pais cristãos, na adolescência, onde ele supostamente havia se convertido em Jesus Cristo. Cobain concluiu nessa mesma entrevista: "Eu sempre senti que algumas pessoas devem ter a religião em suas vidas, por que isso é bom para elas. Se a religião vai salvar alguém, então está tudo bem... O personagem de 'Lithium' precisava de uma..."
6- "Polly"
Uma parte da letra diz:
"Polly diz que as suas costas doem / Ela está apenas tão entediada quanto eu / Ela me pegou desprevenido / Me espanta a vontade do instinto".
No documentário “Classic Albums: Nevermind”, o baixista Krist Novoselic se lembrou de Cobain ter escrito as letras de "Polly", depois de ler um artigo num jornal sobre o sequestro, tortura e estupro de uma garota de 14 anos de idade em Agosto/1987. O agressor, que estava de carro, havia pego a menina na cidade de Tacoma (próximo a Seattle), logo depois que ela estava saindo de um show. Mais tarde, ela conseguiu escapar quando ele parou o carro em um posto de gasolina e ela começou a atrair a atenção das pessoas que estavam ao redor.
No lado musical das coisas, "Polly" é apenas a contribuição do baterista Chad Channing (que era o baterista no álbum “Bleach”) para o disco “Nevermind”. Chad foi convidado a deixar a banda antes da gravação de “Nevermind” ter se iniciado em Los Angeles. A versão que foi lançada em “Nevermind” é a mesma que foi gravada meses antes em outro estúdio, também pelo mesmo produtor de "Nevermind", Butch Vig. Nesta versão, é Chad quem faz os leves toques nos pratos da bateria.
7- "Territorial Pissings"
Esta música começa com Krist Novoselic cantando um trecho da música "Get Together", da banda YOUNGBLOOD:
"Vamos lá pessoal / Sorriam para os seus irmãos / Todos juntos / Tentem amar um ao outro / Agora mesmo".
"Talvez, algumas pessoas irão escutar isso hoje em dia e irão me perguntar o que aconteceu com essas ideias?", Novoselic disse uma vez em entrevista. Essa canção é uma das mais pesadas no catálogo do NIRVANA, mas um aspecto de glória dessa música que é frequentemente esquecida pelos fãs, são as fortes opiniões de Cobain sobre o feminismo - como é evidente a partir do início do 2º verso onde ele canta:
"Nunca conheci um homem sábio / Se conheci, era uma mulher".
Uma das performances mais memoráveis de "Territorial Pissings" foi em 1992 no programa de TV, “Saturday Night Live”, quando uma audiência nacional - depois de já ter presenciado o desempenho do maior sucesso do NIRVANA, "Smells Like Teen Spirit", uma música antes - estava esperando a banda tocar "Lithium" ou "Come as You Are". Mal sabiam eles que aquele grupo que estava se apresentando, era uma banda solidificada em sua forma verdadeira e íntegra, sendo que a música "Territorial Pissings" foi escolhida naquele momento para encerrar a performance do NIRVANA - com a banda destruindo os seus instrumentos no final da música.
8- "Drain You"
De acordo com o que o produtor do disco “Nevermind”, Butch Vig, disse no documentário “Classic Albums: Nevermind”, a música "Drain You" teve mais overdubs de guitarra do que qualquer outra canção do álbum. Cobain tende a não gostar de canções fortemente fundamentadas em overdub, então, Butch Vig tinha que dizer a Cobain que: "as faixas não gravaram corretamente" ou "estão fora de sintonia", a fim de levá-lo a fazer muitas tomadas. Além disso, barulhos estranhos durante a parte do meio da canção são causados por um brinquedo de pato de borracha, que também passou a aparecer na foto de trás da compilação de raridades, “Incesticide” (3º disco, 1992). Cobain levou o pato de borracha para o estúdio, onde o engenheiro de som, Andy Wallace, fez passar por alguns efeitos sonoros para que o som ficasse mais “viagem”.
9- "Lounge Act"
Uma das músicas mais subestimados de “Nevermind", a canção “Lounge Act" consiste de um grande gancho com cativantes letras, mas que ficou enterrada no álbum sob o imenso sucesso de músicas como "Smells Like Teen Spirit", "Lithium", “Come as You Are” e "In Bloom". De acordo com um artigo da revista Rolling Stone em 2015, "Lounge Act" foi escrita sobre a ex-namorada de Kurt, a baterista do BIKINI KILL, Tobi Vail, por causa dos seus temas de ciúmes, insegurança e excesso. O produtor Butch Vig disse que a canção "Lounge Act" ganhou esse nome porque ela é uma reminiscência de uma "música lounge", graças aos seus riffs “amantes da diversão” e "por uma entrega mais refinada de Cobain".
10- "Stay Away"
Uma parte da letra diz:
"Macaco vê, macaco faz / Eu prefiro estar morto do que ser legal".
Com uma incrível linha de baixo e a explosão do caos fundido pela bateria de Dave Grohl com a voz de Cobain, "Stay Away" é uma verdadeira canção de rebeldia. Cobain afirmou em uma de suas entrevistas que a letra dessa música também faz menções a sua ex-namorada, Toby Vail (que haviam terminado um relacionamento recentemente).
11- "On a Plain"
Como na canção "Polly", "In Bloom", "Breed" e "Lithium", "On a Plain" foi outra música composta antes da gravação de “Nevermind”. Esta canção é escrita sobre: como escrever uma canção. Ela começa com as frases: "Eu vou dar início a isso sem nenhuma palavra", sendo que no refrão Kurt canta: "Eu estou em uma planície / Eu não posso reclamar", como se tivesse se decidido sobre a sua simplicidade. A música "On a Plain" talvez seja melhor interpretada na sua forma mais simples e crua - tal como foi o desempenho dela no acústico da MTV em 1993.
12- "Something in The Way"
Em uma das histórias mais conhecidas do NIRVANA, a canção "Something in The Way" foi escrita durante um tempo em que o vocalista/guitarrista, Kurt Cobain, estava sem casa e dormia debaixo de uma ponte em sua cidade natal, Aberdeen (próximo a Seattle). No entanto, essa história - embora alimentada pelo próprio Kurt em entrevistas - foi contestada em 2001 com a publicação da biografia oficial de Kurt Cobain, intitulada, “Mais Pesado que o Céu”, escrita por Charles Cross, onde afirmou que, se Cobain realmente tivesse passado noites debaixo da ponte mencionado na canção, ele teria sido arrastado pela maré do rio Wishkah (moradores também afirmam que Kurt nunca morou debaixo dessa ponte, ele só passava um tempo lá sozinho ou com amigos, matando tempo e fumando maconha).
Mesmo que o significado das letras do NIRVANA pode ser algo para se discutido até o fim dos tempos, o que se pode dizer de verdadeiro em "Something in The Way", é que foi uma das músicas mais difíceis de gravar durante as sessões de “Nevermind”. No livro “Teen Spirit”, o produtor Butch Vig afirmou que Cobain queria inicialmente ter gravado a canção "Something in The Way" com a banda completa, mas quando as tentativas não foram bem sucedidas, Cobain tocou a música para Butch do seu próprio jeito, na sala de controle, para mostrar como ele queria que ela soasse. Butch ficou impressionado com a forma que soou essa entrega solo de Cobain e depois de desligar o ar condicionado e os telefones na sala de controle, ele montou os microfones para gravar a canção com apenas Cobain cantando e tocando o seu violão. Isso tornou-se a base da guia, para que o baterista Dave Grohl e o baixista Krist Novoselic adicionassem as suas partes mais tarde. No entanto, ambos ainda tiveram algumas dificuldades com o tempo da música - relativamente lento. Novoselic teve problemas para afinar o seu baixo do mesmo jeito do violão de Kurt e Dave Grohl foi obrigado a reprimir a sua inclinação natural em bater forte na bateria, a fim de coincidir com o humor suave da música. No último dia das sessões de gravação de “Nevermind”, Kirk Canning, um amigo da banda, completou a música com uma linha de violoncelo e mesmo que a canção foi gravada com sucesso através de muitas tentativas e erros, Canning também teve dificuldade em sintonizar o seu instrumento com o violão de Kurt. Talvez, a melhor maneira de ouvir essa música é novamente no acústico da MTV, despojada e semelhante à maneira como ela inicialmente havia inspirado Butch Vig.
Música escondida – “Endless Nameless”
Muitas vezes tocada como o fechamento de um show do NIRVANA - para irem destruindo progressivamente os seus equipamentos durante a turnê - o noise, "Endless Nameless", quase não entrou em “Nevermind”. O engenheiro de som, Howie Weinberg, acidentalmente deixou a canção de fora nas prensagens iniciais. Quando Cobain descobriu que ela não estava lançada no disco, ele exigiu que Howie fizesse a correção. Após 20.000 mil prensagens que já haviam sido distribuídas, 10 minutos de silêncio entre o final de "Something in The Way" e o início de "Endless Nameless" foram adicionados em prensagens futuras. Com essas primeiras prensagens sendo uma raridade (eu tenho em casa), desde então se tornou um item extremamente procurado pelos colecionadores.
O álbum do NIRVANA, “Nevermind”, foi o álbum definitivo da década de 90 e ainda não vimos um álbum dessa profunda magnitude surgir no cenário rock desde então. Então, tudo o que vocês, músicos, que em algum dia querem ser grandes estrelas do rock, escutem o álbum “Nevermind” no seu 25º aniversário e inspirem-se a pegar a sua guitarra, porque você pode apenas escrever o próximo “Nevermind”. É sério, a hora é agora...