Ramones: confira a resenha do álbum "Leave Home"
Em Janeiro/1977 a banda RAMONES lançava o seu 2º álbum de estúdio, “Leave Home”.
Eis que chegando ao ano de 2001, os álbuns de estúdio dos RAMONES haviam sido relançados com a adição de músicas inéditas e conhecidas através de demos, sobras de estúdio e performances ao vivo. E no livrinho que acompanha esse disco, além de várias fotos inéditas incluídas, consta também uma resenha escrita pela socióloga, jornalista e assistente social americana chamada Donna Gaines. Segue a tradução dessa resenha na íntegra logo abaixo:
No início, quando os RAMONES vieram, ou você entendia ou você ficava de fora. Os críticos se renderam imediatamente, mas o reconhecimento permaneceu limitado. O baterista Tommy Ramone explicou: "as pessoas tinham medo de nos chamar para algum compromisso, como se fôssemos fazer algo que pudesse denegrir as suas tais carreiras. Nós éramos uma banda nova e não tínhamos um som que parecia encaixar no formato da época". Em New York, apenas alguns DJs de rádio mostraram a visão dos RAMONES, como Vince Scelsa da rádio WNEW e Denis McNamara da rádio WLIR. Em Los Angeles, os RAMONES foram os primeiros convidados a participarem de um programa da rádio KROQ - do famoso DJ Rodney Bingenheimer - chamado "Rodney on The ROQ", que contava com apresentações ao vivo de bandas do gênero punk rock.
A base dos fãs originais dos RAMONES foi elaborada a partir do metrô de New York, que era a vanguarda da boemia urbana. Eles procuravam os adolescentes, mas como o vocalista Joey Ramone explicou: "o clube CBGB ficava no bairro chamado Bowery, por isso o motivo principal do público presente ser o pessoal das escolas de arte, tipo os discípulos de Andy Warhol. Eles eram sempre os primeiros a escolherem as coisas novas". Na época do lançamento desse 2º álbum de estúdio, os RAMONES tinham partido da sua base natal - New York - para conquistar o mundo. Eles embarcaram em uma jornada de turnês incansáveis por 20 anos, e de cidade em cidade, desde da Berlim Oriental até ao Vietnã, as crianças se renderam e os RAMONES se tornaram uma banda de classe mundial.
Sair de casa (tradução livre de “Leave Home”) normalmente significa começar uma nova família no seu próprio país. Joey dizia: "nós estávamos na estrada pela 1ª vez em nossos vinte e poucos anos de idade". A gravadora dos RAMONES, Sire Records, deu-lhes uma van e a banda era tão unida que parecia que eles ficavam sentados ao redor de uma mesa para tratar dos seus assuntos. Eles compartilhavam os mesmos quartos de hotel também! A equipe de turnê da banda triplicou-se com o baixista Dee Dee Ramone dividindo o seu beliche com Joey, e Tommy dividindo o seu beliche com o guitarrista Johnny Ramone..., ou seja, a família alargada dos RAMONES foi se encaixando.
Danny Fields, o homem de renascimento do rock’n roll, se tornou o gerente da banda com Arturo Vega assinando como um residente artista gráfico do grupo - e que foi a pessoa que projetou e desenhou o lendário logo dos RAMONES da águia americana (Arturo também foi fundamental no desenvolvimento da extensa linha de merchandising dos RAMONES e eventualmente, o site oficial da banda também). De longa data como compadres do mesmo bairro onde os RAMONES cresceram, Forest Hills, o veterano baixista, Monte Melnick, começou na equipe como roadie e encarregado do som, onde mais tarde tornou-se o fiel gerente de turnê da banda. Este "5º Ramone" é um ícone cult entre os fãs hardcore dos RAMONES. Bandas tributo chamadas MELNICKS e MONTE’S REVENGE são dedicadas somente a ele.
Espalhar a mensagem não foi tão fácil. No Reino Unido, em Julho/1976, os RAMONES tocaram em uma casa de shows chamada Roundhouse com a lotação esgotada para 2.000 mil pessoas. A realeza do punk rock veio à Londres para pagar o seu tributo, oferecendo gratidão e gerando ícones da história do punk rock como: Chrissie Hynde (vocalista/guitarrista da banda THE PRETENDERS), Johnny Rotten (vocalista do SEX PISTOLS) e Joe Strummer (vocalista/guitarrista da banda THE CLASH). No entanto, de volta para casa em New York no show realizado no clube My Father’s Place (a apenas 30 km a partir do Bowery, bairro onde se localizava o clube CBGB), anti-punks desordeiros encheram o auditório e a coisa se complicou. Os punks das pontes e dos túneis se recordam com horror sobre as infinitas demandas da plateia gritando "Free Bird!!!" para os RAMONES (para quem não sabe, essa atitude é uma zoação típica dos americanos em shows de rock para bandas “não agradáveis”). Pessoas estas com os seus olhos negros e quebrando garrafas de cerveja nas cabeças agora rachadas dos fãs, deixando estilhaços que ficaram cravados sob os cabelos da cor magenta...
Voltando para o ano de 1976, muitas pessoas realmente odiavam o punk rock.
Mas a cidade de Los Angeles ofereceu aos RAMONES a sua redenção. Joey lembrou: "foi a coisa mais próxima para nós do que aconteceu no Reino Unido, onde a banda era grande". Ele se lembra de como as crianças de Los Angeles abraçaram o visual dos RAMONES: “elas queriam ser os RAMONES. As crianças adoraram e elas foram inspiradas!"
O momento era certo sendo que Joey continuou: "elas estavam esperando por nós, as crianças estavam com fome e realmente animadas pela banda". Joey lembrou descrevendo a viagem para Los Angeles como: "a 1ª onda, o tsunami que lavou todas as besteiras". Ele acrescentou: "essa onda ajudou a livrar da Terra os velhos escombros que haviam".
Pessoas veteranas do cenário local recordam do 1º show dos RAMONES em Los Angeles como o marco zero para a formação da cena punk local. Tocando no clube The Roxy, a banda abriu para o grupo FLAMIN’ GROOVIES com um setlist de 16 músicas, sendo que este show foi incluído no relançamento deste álbum como material bônus. Introduzido por um muito jovem Joey, a canção "Loudmouth" rachou a abertura do show com uma seção rítmica brutal. Este show também apresentou o hino adolescente entediado, "Now I Wanna Sniff Some Glue", que é uma canção punk rock comemorativa estranhamente otimista. Dee Dee abriu a música "Today Your Love Tomorrow The World" latindo ordens em alemão, falando: "Eins-zvei-drei-vier!" (que significa: "1-2-3-4!").
Quando os RAMONES assinaram com a gravadora Sire Records no início de 1976, eles já tinham escrito mais de 30 músicas. As primeiras 14 canções foram prensadas no 1º álbum de estúdio, lançado no mesmo ano e que se chama “Ramones”, sendo que outras 15 músicas foram registradas e lançadas neste 2º álbum de estúdio, “Leave Home”. Johnny explicou: "nós gravamos as músicas deste 2º álbum na ordem em que elas foram escritas, porque queríamos mostrar uma ligeira progressão na estrutura das canções".
De acordo com Tommy, o 2º álbum é: "mais pesado, mais melódico e com mais mordida do que o 1º. Ele também tem mais músicas com uma sensação comercial". Tommy continuou: "esse era o nosso estado de espírito..., canções punk rock com letras insanas, inspiradas em filmes “B” sanguinolentos e filmes de terror em geral, com uma sensação de felicidade e sorte para elas". Enquanto que o 1º álbum é mais conceitual, Tommy vê o 2º disco também como: "um rock feliz, menos artístico com uma musicalidade mais real". A banda também havia progredida em tocar com mais habilidade. Tommy acrescentou: "a cada álbum o som ficou mais suave, melhor, mais fluido e de uma forma natural, lembrando que os RAMONES nunca tiveram aulas musicais teóricas".
Com um orçamento maior e com mais controle criativo, os RAMONES gravaram as versões básicas das suas músicas para o álbum "Leave Home" no Sundragon Studio, que se localiza no centro de Manhattan. Tommy descreveu o espaço como: "um quarto agradável e aconchegante, que nem uma sala de estar. Foi construído como um estúdio caseiro com uma mesa de 16 canais, decorações artísticas típicas do ano de 1976 e abastecido com gravadores de fitas da Suíça da marca Studor". O produtor que havia gravado o 1º álbum de estúdio dos RAMONES, Craig Leon, havia deixado a Sire Records, de modo que os RAMONES pediram ao produtor Tony Bongiovi para gravar este 2º álbum da banda.
Tony havia sido o mentor de Tommy quando eles trabalhavam juntos no Record Plant Studios - que foi o mesmo estúdio onde o álbum de JIMI HENDRIX, “Band of Gypsys”, havia sido mixado (em parte) no final dos anos 60. Para o disco "Leave Home", Tommy também ajudou na assistência e na produção desse álbum, sendo que Ed Stasium (o "6º Ramone") foi trazido para ser o engenheiro de som. O álbum foi lançado no mês de Janeiro/1977, apenas 06 meses depois do 1º álbum de estúdio dos RAMONES ter sido lançado. Tony não conseguia decidir se o produto final seria, conforme nas suas próprias palavras: "uma das maiores coisas que eu já havia feito ou se seria um dos maiores fracassos da minha vida". Ele descreveu a música dos RAMONES como: "uma moída parede de som". Eram os RAMONES marchando música para os corações do rock'n roll...
O álbum "Leave Home" exibe o dom especial dos RAMONES, que era a experiência de infundir a vida cotidiana com o seu humor negro e com a esperteza das ruas através de um punk rock esclarecido, para em seguida, elevar a banda para terrenos mais altos. À espreita abaixo de cada canção punk rock dos RAMONES estava um sério sub texto, um tratado sobre os temas universais como: a alienação humana, desejos, tédio e o medo. Estes sentimentos são poderosos e esmagadores especialmente para os adolescentes. Os RAMONES apanharam todas as pessoas desprevenidas, acionando uma verdade brutal em 03 sônicos minutos e com rajadas de fogo muito rápidas.
As músicas "Suzy is a Headbanger" e "Gimme Gimme Shock Treatment" são cômicas, mas emocionalmente honestas e fundamentalmente a procura de uma cura. Assim como Johnny explicou: "saúde mental..., é um assunto que você tem que lidar todos os dias. É como se cantar sobre isso fosse uma terapia lhe deixando com uma melhor sensação depois". Os RAMONES construíram uma carreira em uma existência mental. Joey admitiu: "bem, naqueles dias..., nós fizemos mesmo!"
Filmes de guerra, rockabilly, canções de amor, demência, veneno, filmes de terror..., todos os fãs encontraram o seu caminho nas letras das músicas dos RAMONES. A canção "You’re Gonna Kill That Girl" (que por sinal havia ficado de fora do 1º álbum) é um reminiscente melodrama de rua dos ícones adolescentes no início dos anos 60, que foi a banda DION & THE BELMONTS. "É sobre uma garota para ver quem vai ficar com ela", diz Joey. Talvez, ela seja uma fã ou uma antiga namorada, disso não temos certeza, mas nós definitivamente entendemos a questão.
A música "I Remember You" é um assombro, sendo uma canção de amor sincero. 23 anos depois dos RAMONES terem criado essa canção, o vocalista do U2, Bono Vox, executou-a em um show no local chamado Irving Plaza, New York. Ele dedicou uma versão acústica dessa música para os RAMONES, dizendo à multidão: "nós começamos e nos inspiramos na poesia e no punk rock de New York..., mas, mais do que ninguém, a banda que nos fez querer começar a tocar quando tínhamos 15, 16 anos, foram os RAMONES com as suas músicas".
A canção "Oh Oh I Love Her So", foi inspirada pelas visões da música “Palisades Park” do cantor FREDDY CANNON. Joey adorava o som que saía do órgão da marca Farfisa nesta canção de FREDDY CANNON, embora os RAMONES nunca o tenham utilizado em qualquer música deles. A letra dessa canção é a assinatura americana dos RAMONES com as suas referências ao Burger King, à máquina de refrigerantes e à península localizada no distrito do Brooklyn, New York, chamada Coney Island.
Na música "Commando", entra a fixação por filmes de guerra dos RAMONES com chutes em alta velocidade. Sempre solicitada nos shows pelos fãs, durante a execução dessa canção, a plateia se transformava em um oceano de couro preta, com os seus punhos erguidos bombeando em alto grau e em saudação contínua. A letra dessa música é de Dee Dee, onde ele ditou uma ladainha de "regras" dementes que envolvem as leis da Alemanha, falando também sobre ser bonzinho com a sua mamãe e sobre comer salames kosher (os produtos kosher são aqueles que obedecem à lei judaica).
A partir do maníaco ao sublime, o álbum "Leave Home" também inclui uma grande sintonia de envolvimento. Os RAMONES sempre se auto-denominaram como "uma banda americana", patriótica, pateta, inocente, mas ainda durões. E o que poderia ser mais americano do que surfar? De acordo com Johnny: "a surf music foi uma grande influência na América". Assim, o clássico da banda THE RIVIERAS, "California Sun", foi uma escolha natural de toda a banda para que a mesma fosse incluída nesse álbum. "Nós ficamos todos fãs da surf music", disse Joey.
O biógrafo dos RAMONES, Jim Bessman, acredita que a música "Pinhead" condensa os RAMONES à sua essência primordial. Enquanto que a frase "Hey Ho Let’s Go!" é um canto de guerra punk rock da canção “Blitzkrieg Bop” (que foi lançada no 1º álbum), a frase "Gabba Gabba Hey!" de “Pinhead” é a declaração do desajuste da solidariedade, sendo que Joey ainda canta: "nós aceitamos você, nós aceitamos você como um de nós!" Assim como a maioria dos adolescentes, os RAMONES não conseguiam meninas ou carros e como uma banda, eles tiveram problemas para obter o seu devido reconhecimento comercial. Por um longo tempo eles foram considerados as aberrações do rock'n roll. Fãs frenéticos recordam como no final de cada show o roadie dos RAMONES de 150 kg, Bubbles, subia no palco vestido com uma máscara de “pinhead” (traduzindo ao pé da letra, “cabeça de alfinete”) e que levava uma placa consigo com a descrição de: "Gabba Gabba Hey!". Joey dizia: "do nosso ponto de vista, nós aceitamos os nossos fãs como um de nós". Enquanto isso, todos nós cretinos, javalis do mato e vários metaleiros, haviam encontrado uma família também.
Johnny explicou como a música "Pinhead" surgiu para a banda em uma noite no Estado de Ohio: "o show que nós iríamos realizar havia sido cancelado por uma forte chuva, então nós fomos ao cinema". A canção foi um esforço cooperativo derivado do filme de terror de 1932, "Freaks", que os RAMONES haviam ido assistir - embora a linha original fosse mais relacionada ao bizarro seriado da TV americana das décadas de 20 e 30, "Gooble Gobble".
A canção "You Should Never Have Opened That Door" também é sobre um filme “B” de terror, assim como havia acontecido com a música "Pinhead" e com o seu antecessor lançado ainda no 1º álbum, a canção "I Don’t Wanna Go Down to The Basement".
Como muitas bandas de ponta, os RAMONES eram às vezes percebidos como uma ameaça à sociedade. A rádio WNEW de New York havia recusado tocar a música "Glad to See You Go", que nos apresenta nas suas letras referências ao fora-da-lei Charles Manson. Mas essa música é realmente sobre a volátil ex-namorada de Dee Dee, Connie, que mais tarde veio a falecer (assim como havia sido com a música "Judy is a Punk", lançada no 1º álbum, essa canção também nos apresentou uma letra assustadoramente profética). Nas palavras de Tommy, o paradoxo entre: “o tema horrível dessa canção gerou uma feliz melodia..." se tornou uma questão problemática para terceiros.
Como os fãs mais obstinados já sabem, as primeiras prensagens do álbum "Leave Home" nunca foram lançadas oficialmente, devido à controvérsia em torno da música "Carbona Not Glue". Nos EUA, essa canção foi excluída do catálogo desse disco e substituída pela clássica música "Sheena is a Punk Rocker" (que só iria fazer a sua estreia, digamos “oficial”, no próximo 3º álbum de estúdio, "Rocket to Russia", 1977). E na Inglaterra, a música “Carbona Not Glue” foi substituída pela canção "Babysitter". Sendo um ode à luxúria adolescente, a música “Babysitter” foi lançada nos EUA como lado-b do single dos RAMONES, “Do You Wanna Dance” (que também pertence ao álbum "Rocket to Russia"), que é um cover clássico do cantor BOBBY FREEMAN.
O álbum "Leave Home" implicou em um alargamento de horizontes, uma tentativa de trazer a música e a mensagem dos RAMONES a um público mais vasto. As músicas foram se tornando mais complexas e assim era a vida para os RAMONES. Em sua resenha sobre o 2º álbum de estúdio dos RAMONES para a revista Rolling Stone, o jornalista Ken Tucker observou: "os RAMONES estão tão diretos e espirituosos como no 1º álbum. Eles também perderam apenas uma pitada da sua estudada crueza. Mas agora, se isso é um sinal de maturidade ou de traição, fica então uma questão para ser debatida". Ele acrescentou: "os RAMONES criaram músicas empolgantes e malditas boas piadas nas suas letras, mas eles estão em um dilema agora: o rock desse grupo é tão puro que pode ser percebido como uma bizarra novidade para uma enorme quantidade de pessoas".
O jornal independente de New York chamado Village Voice, teve o seu jornalista crítico, Robert Christgau, também escrevendo sobre o álbum "Leave Home". Ele disse: "as pessoas que consideram isso um ato de piada não irão mudar as suas opiniões agora. Já as pessoas que amam a brincadeira para abastecer a sua energia, inteligência e economia, terão o prazer de ouvir este álbum 02 vezes seguido".
Os Ramones não eram uma piada. Eles ajudaram a definir os padrões para uma geração de bandas alternativas que tiveram que equilibrar o balanço culto da credibilidade comercial com o apelo da massa populacional. A democratização do rock'n roll sempre representou um dilema: será que os fãs antigos se sentem traídos assim como os novos fãs estão envolvidos? Quando uma banda se torna popular, são os fãs originais amaldiçoando ou abençoando a banda? É a banda, assim como o jornalista Ken Tucker falou, que está amadurecendo ou se vendendo?
Hoje nós sabemos o que acontece quando uma banda local amada sai de casa e conquista o mundo... É o que aconteceu com os RAMONES.
por: Donna Gaines
ps: esta resenha é dedicada a Raymond Jalbert e a todos os heróis punk rockers do passado e do presente.