Pearl Jam: "Ten", em 1991, o primeiro álbum da banda
É sem dúvida um álbum épico!
O tamanho dessa definição faz com que muitas pessoas prefiram o tom mais restrito e intimista dos álbuns posteriores, mas acho difícil negar que ele é um grande disco no melhor sentido da palavra, que tem algo a dizer como sempre em cada álbum do PEARL JAM e quer dizer bem alto para ter certeza que a mensagem não se perca.
Você pode perceber, musicalmente falando, a influência da levada funk rock em algumas músicas (aqui no Brasil é um perigo falar a palavra funk, pois este som nacional que conhecemos não é funk, e sim, com todo o respeito, um rap muito primitivo).
Essa levada funk rock é nítida podendo ser observada principalmente pela levada do baixo, levada esta em que os dedos de Jeff Ament não param de dançar no braço do baixo, em que o layout dos movimentos é desenhado nas formas vertical/horizontal/vertical, de cima para baixo e vice-versa, e não somente na linha horizontal como no punk rock. Também pelo jeito de cantar rápido e levemente "funkeado" de Eddie Vedder, além da levada da bateria de Dave Krusen, que nas músicas quebraceiras ele não leva uma bateria no estilo punk rock e sim, a levada funk rock, com várias viradas da bateria sendo feitas nos pratos e percussões e não somente na caixa, tons e surdo - junto com a cadência/batida característica desse estilo no bumbo.
Exemplos desses 03 elementos podem ser escutados em músicas como: “Once”, “Even Flow”, “Why Go”, “Porch” e “Dirty Frank”. Esta última nem entrou no álbum, ficou de fora assim como várias pérolas ficaram de fora desse e de cada disco que o PEARL JAM lançou, mas para aqueles que não conseguiram assimilar o que foi escrito aqui na teoria, com certeza vocês irão entender se experimentarem a forma empírica da coisa.
Escutem “Dirty Frank” e vejam se não há esses elementos na música, assim como é nítido e claro em várias músicas do RED HOT CHILI PEPPERS (vou citar somente 02 músicas deles; “Give it Away” e “Can't Stop”), banda esta que possui várias músicas no estilo funk rock. Prova disso, é que “Dirty Frank” foi composta durante uma turnê que o PEARL JAM fez junto com o RED HOT CHILI PEPPERS.
Esses pontos levantados são mais fortes e visíveis no álbum “Ten” do que em qualquer disco lançado pela banda até hoje.
Ao mesmo tempo, há uma intimidade nas letras das músicas por serem tratadas sobre outras pessoas, como: “Once”, “Even Flow”, “Why Go”, “Jeremy”, “Deep”, “Dirty Frank”, “Footsteps”, “Alone”, “Brother”, “Just a Girl” e “State of Love and Trust” (sendo que as 06 últimas não entraram no álbum).
Sobre letras que fala do próprio Eddie Vedder, seriam as canções: “Alive”, “Black” e “Release”. Além da própria música ser maior que tudo, onde uma conexão muito pessoal é feita. Muito disso acontece devido à voz de Eddie, porque você é convidado a habitar os personagens dessas histórias e sentir o que eles sentem. Elas são histórias, mas são sobre você! Isso é uma façanha incrível e uma das coisas que fez Eddie Vedder um dos melhores vocalistas/compositores do nosso tempo.
Também vale a pena mencionar o quanto o PEARL JAM significa como um todo (não irei falar musicalmente agora) e o que os difere - que ficou claro desde o início - dos seus colegas da mesma época e cidade natal, Seattle, como: NIRVANA, ALICE IN CHAINS, SOUNDGARDEN, MUDHONEY, SCREAMING TREES e outros...
Todas estas bandas eram consideradas grunge e escreveram músicas para pessoas insatisfeitas, mas era um tipo de insatisfação que diferia do movimento punk rock 10 anos antes (final dos anos 70, com RAMONES, SEX PISTOLS, THE CLASH e outros...) O punk rock era uma música escrita por/para "outsiders", pessoas de fora da cena. O que fez do grunge diferente, é que ele era escrito para pessoas de dentro que ainda sentiam-se insatisfeitas. De certa forma, músicas feitas para a classe média branca que tecnicamente tinham o que queriam, mas ainda sentiam que havia algo faltando. A música foi uma busca para achar essa parte que faltava.
Desde o início, havia uma dimensão social/política na música que o PEARL JAM fazia, um desejo e uma necessidade de confrontar o mundo exterior e assim tentar desvendar o quê aconteceu de errado, o porquê de não estarmos vivendo o que nos foi prometido quando éramos crianças e acima de tudo, descobrir o que podemos fazer com relação a isso (02 músicas que ilustram bem esse lado são, “Wash” e “Let Me Sleep”, outras pérolas que também não entraram no álbum).
Isto é o que difere o PEARL JAM das outras bandas de Seattle.
Agora, o que irei escrever é baseado em matérias, reportagens, declarações, documentários, estudos em enciclopédias e muita leitura de livros que possuo que narram a biografia de várias bandas, pois não sou americano e nem cresci na cultura americana.
Se você for resumir com uma palavra o tema do álbum “Ten”, essa palavra é "traição".
A música no início dos anos 90 foi escrita para os filhos cujo pais eram jovens/adultos na geração de meados dos anos 60 e início da década de 70. Esse período foi um dos grandes picos da onda do rock, onde a música tentava com todas as forças ser transformativa corrigindo os erros do mundo (Vietnã, vou dar um exemplo somente) e servir como fonte de inspiração e emoção para as pessoas.
Em seguida, estes pais cresceram/envelheceram e deram ao país 12 anos de Regan e Bush (presidentes dos EUA). Ao invés do idealismo, havia um vácuo do hedonismo e a glorificação da ganância - ambas do governo para a população. A geração no início dos anos 90 cresceu em meio a essa falha na revolução proposta pelos seus pais. Essa nova geração sentiu-se de alguma forma traída, havia a sensação de que uma grande promessa havia sido perdida e que as pessoas não tinham ideia para onde ela foi e o que aconteceria dali em diante.
Em relação a isso, podemos citar 02 músicas, “Porch” e “Garden”, que abordam essa questão geral da coisa, mais ampla, ou seja, sendo o tópico principal a sociedade e a convivência/relacionamento em si.
Essa foi a mentalidade que ficou em pauta para aquelas pessoas da "geração X" (como foi chamada a geração no início dos anos 90 pela mídia). Todas as grandes bandas grunge citadas acima falaram dessa experiência. Todas tentavam de alguma forma lidar com este sentimento de traição e despropósito com as coisas ao seu redor. A questão é que a maioria dessas músicas eram niilistas e permitiam, ou celebravam, a sua própria dor.
PEARL JAM foi a única banda desse período que conseguiu erguer-se diante desta situação e o que fez o álbum “Ten” ser um trabalho tão magnífico, não foi apenas o fato da banda expressar tão fortemente a sua fúria, medo, raiva e insegurança do momento, mas de que quase todas as sua músicas tem um momento de luz, uma rota de fuga.
Álbuns posteriores começaram a cristalizar melhor o que essa rota de fuga poderia significar, mas isto é assunto que cada disco irá nos dizer mais tarde...
Falando do álbum “Ten”, essa rota de fuga aparece mais como uma promessa, uma esperança sombria para uma futura redenção. O que estava claro era o senso de comunidade entre as pessoas criado a partir da música e entre essas bandas também, pois eram todos amigos/camaradas e não havia competição entre eles: "Se nós nos juntarmos, talvez consigamos achar o caminho".
Mas de novo, no disco “Ten” ainda não há respostas - com a música “Breath”, mais uma pérola que também ficou de fora do álbum, que articula essa questão mais claramente dentre as canções desse período - somente a esperança de que a resposta está em algum lugar, manifestada muito através da voz de Eddie Vedder e das suas letras.
A catarse não é intelectual, é emocional e experimentada com um poderoso imediatismo.
Esta é a verdadeira fonte de carisma de Vedder, especialmente naqueles anos. Ele ainda não era solto e articulado, além disso, era tímido e pouco comunicativo, mas quando cantava, você SABIA, de um jeito que poucos cantores conseguem capturar e transmitir, que ele sentia o que você sentia e que estava procurando as respostas com você - e se nós ficarmos juntos com ele e juntos com todos os outros, nós encontraríamos uma resposta.
Outro ponto que gostaria de ilustrar seria a influência musical já admitida pelo próprio guitarrista da banda, Mike McCready, que possui pelas guitarras frenéticas de Jimi Hendrix.
Hendrix também nasceu em Seattle e é considerado pela mídia e por mim o melhor guitarrista de todos os tempos. Nesta influência/semelhança podemos destacar principalmente os seus solos, além dos acordes e o jeito de tocar guitarra que Mike McCready aplica, como por exemplo, na música“Yellow Ledbetter”, outra super pérola que não entrou no álbum. Essa camada sonora da guitarra é nítida em quase toda a audição do álbum.
Aproveitando, essa música parece conter uma triste letra romântica de Eddie, mas conforme Mike já falou numa entrevista em 2003: "Eu ainda não sei do que se trata e eu não quero saber! Eu amo ela e os fãs adoram também!"
A única música que ainda não foi citada deste álbum foi “Oceans”. Até porque, mesmo o disco ainda não apresentar essa rota de fuga, pelo menos seria um pit-stop nessa cruzada toda, onde Eddie dá uma pausa e procura relevar nas letras as obras divinas que nos cercam e nos revigoram, falando da natureza, ondas, surf, oceano, maré e correntes marítimas...
E musicalmente falando, assim como aconteceu em “Let Me Sleep”, seria a primeira de várias músicas que o PEARL JAM procura incluir em todos os seus álbuns com uma levada da bateria meio tribal, fugindo um pouco daquela fórmula de praxe já conhecida de tocar bateria. Nos álbuns posteriores e não sendo necessariamente na totalidade de uma música, mas pelo menos em algumas partes de certas canções, PEARL JAM nos apresenta essa levada tribal ou em vez disso uma levada somente nas percussões.
Somente em 2011 que pudemos ouvir, com graça, uma música escondida do PEARL JAM dessa mesma época alcançar a luz do dia, inédita, sem nenhuma performance ao vivo anterior ou gravações em materiais não oficiais da banda. Esta música se chama “Acoustic #1” e foi lançada para comemorar os 20 anos da banda no álbum duplo “PJ20” (2011).
É uma pena que eu não tenho a letra dessa música para tentar traduzi-la, mas o que eu posso dizer sobre ela é que se trata de uma fita perdida encontrada no fundo de uma caixa que estava marcada com a palavra "Singles". Por isso, nos rendeu a essa espiada no processo criativo de uma banda recém formada, no embrião ainda, tanto que dá para ver pelo nome da música (uma demo). Nesta canção, podemos verificar Eddie e Stone Gossard (o outro guitarrista da banda) trocando ritmos, ideias e explorando o seu potencial como recém conhecidos. A melodia e as ideias dessa música ainda soam frescas nos dias de hoje.
E para finalizar essa resenha, a introdução do álbum (que dura poucos segundos, antes da primeira música começar) e que também é a mesma faixa escondida que está no final do disco, se chama “Master/Slave”. Faixa instrumental, já mostrando desde o início os primórdios do experimentalismo que a banda iria aplicar em futuros álbuns.
Nota: até o ano de 2013, estima-se que o álbum “Ten” já vendeu mais de 13 milhões e 500 mil cópias em todo o mundo (averiguado por órgãos oficiais, os dados não oficiais chegam em 30 milhões de cópias vendidas), entrando para um seleto grupo de apenas 22 álbuns que ultrapassaram a linha de 10 milhões de discos vendidos na história do rock'n roll. Hoje, ele se encontra no ranking nº 16 dos álbuns mais vendidos...