Are You Experienced?: confira a resenha que vem neste clássico álbum
No ano de 1967 surgia o maior guitarrista de todos os tempos, JIMI HENDRIX. Com o seu álbum de estreia, “Are You Experienced”, as coisas não foram mais as mesmas - e o formato das coisas que viriam depois disso também não.
Eis que no ano de 2010 este álbum foi relançado com várias músicas que não haviam entrado no disco original, mais 01 DVD contando a história do disco, além de um livrinho recheado com várias fotos inéditas e a seguinte homenagem que está descrita logo abaixo.
Esta dedicatória foi escrita pelo famoso jornalista musical americano, Dave Marsh, e que começa assim:
Jimi Hendrix (vocalista e guitarrista).
Nascido em Seattle, Washington, no dia 27 de Novembro de 1942.
Abandonou precocemente a escola e entrou para o Exército como paraquedista, mas foi invalidado depois por um tornozelo quebrado e uma lesão nas costas. Iniciando no ramo musical, ele engatou em torno dos Estados do sul dos EUA somente com a sua escolhida guitarra. Uma noite, um dos membros da banda ISLEY BROTHERS o ouviu tocar e ofereceu-lhe um lugar na banda. "Sim, eu aceitei! Eu aceitei também dormir ao lado de fora dos cortiços entre as pessoas no chão, que naquela época aqueles cortiços eram um inferno! Os ratos correndo por todo o seu peito e as baratas roubando a sua última barra de chocolate dos seus próprios bolsos".
Mas ele logo transformou o seu período de estágio inicial em um terno de seda e em botas de patentes, e se dirigiu mais uma vez para a cidade de Nashville. Um passeio pela cidade veio chefiada pelos músicos BB KING, SAM COOKE, SOLOMON BURKE, CHUCK JACKSON e JACKIE WILSON. Jimi conseguiu participar dos shows de cada um deles e excursionou por todo os EUA, apoiando estes grandes artistas e aprendendo muito da sua arte que foi aparecendo no seu caminho. Um dia, ele perdeu o ônibus da turnê e encontrou-se encalhado na cidade de Kansas City, sem nenhum tostão. Ele conseguiu juntar dinheiro suficiente para fazê-lo viajar para a cidade de Atlanta, onde se juntou ao pacote turístico de LITTLE RICHARD. Novamente em turnê por todo os EUA, Jimi finalmente havia conseguido tocar junto com IKE TURNER e com TINA TURNER na Costa Oeste americana.
Quando a turnê chegou à cidade de New York, Jimi deixou a banda de LITTLE RICHARD e se tornou um dos “Starliters” da banda chamada JOEY DEE & THE STARLITERS, numa época em que esse grupo era uma grande notícia internacional. Em Agosto/1966, Jimi seguiu carreira solo com uma banda de apoio tocando em Greenwich Village (bairro de New York) para a soma cara na época de 15 dólares por noite. Chas Chandler, ex-membro da banda THE ANIMALS, e Michael Jeffery, empresário dessa mesma banda, convenceram Jimi a vir para a Inglaterra sendo que ele chegou ao mês de Setembro/1966 - uma vez que ele já havia animado muitos públicos de cima a baixo por todo os EUA. "Eu vim para a Inglaterra e escolhi os 02 melhores músicos para formar a minha banda comigo, junto com os melhores equipamentos. E o que todos nós estávamos tentando fazer naquele momento era criar, criar e criar músicas. Criar o nosso próprio som pessoal e o nosso próprio ser pessoal..."
Mitch Mitchell (baterista)
Mitch é um produto das Escolas de Música de Londres e da famosa escola musical, Corona Stage Academy. Ele entrou para a banda chamada CORONETS, que era a banda de apoio do cantor CHRIS SANDFORD. A música, "Not Too Little Not Too Much", se tornou um sucesso, mas o grupo se desfez devido a muitos compromissos solo por parte de Chris.
Mitch, em seguida, teve o feitiço de 01 ano com a banda GEORGIE FAME BLUE FLAMES que durou até o mês de Outubro/1966. Um encontro casual com Chas Chandler em Novembro do ano passado, em 1965, fez com que 01 ano depois resultasse em Mitch se juntar à banda de JIMI HENDRIX. Jovem e refrescante em ideias, mas verdadeiramente um baterista profissional e bem experiente, Mitch desempenhou um papel fundamental no som desse power trio emocionante.
Noel Redding (baixista)
Noel foi tocar guitarra com vários grupos desde que ele havia deixado a escola há 05 anos. Ele formou a banda chamada THE LOVING KIND no mês de Outubro/1965. Insatisfeito com a falta de uma gravação de sucesso e pelo fato dele não poder ser um pouco mais ambicioso nesta banda, Noel seguiu o seu próprio caminho e participou de um teste de audição que JIMI HENDRIX estava realizando no mês de Outubro/1966. Ele foi convencido a mudar da guitarra para o baixo - o que ele conseguiu fazer com muito sucesso, trazendo uma forte contribuição para o ritmo de condução que soava por trás da guitarra extraordinária de Jimi.
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Como o maior e mais influente álbum de estreia de uma banda já lançado em toda a história do rock’n roll, “Are You Experienced” é uma espécie do equivalente musical do Big Bang, que os cientistas acreditam que foi o que originou o universo. Em ambos os casos e muitas gerações depois, o mundo ainda está tentando absorver, organizar e dar sentido ao que esse evento vomitava quando o 1º álbum de estúdio de JIMI HENDRIX havia sido lançado.
Nenhum outro artista do rock, desde o início, violou tantas regras cumprindo completamente tantas expectativas. A prova disso é que mais de 40 anos depois que o 1º hit emplacou em nossas cabeças giratórias, o álbum “Are You Experienced” ainda soa não só fresco, mas surpreendente! Que isso é verdade sobre JIMI HENDRIX ser o maior guitarrista de todos os tempos todos já sabem. E seria tolice em pensar na possibilidade de que este álbum poderia ser refeito novamente com o mesmo núcleo de similaridades que Jimi nos apresentou. Mas apenas para resumir o que aconteceu após o lançamento desse disco, para sempre a guitarra elétrica havia se tornada por Jimi em uma pessoa com alma, que era carregada por um instrumento que se chamava JIMI HENDRIX. Ele nos apresentou diferentes possibilidades sonoras, diferentes características tonais e até mesmo novas propriedades físicas (só para começar, Jimi imediatamente deixou claro que você poderia tocar mais do que apenas nas cordas e no braço de uma guitarra).
O disco “Are You Experienced” foi importante como um álbum, no entanto, por razões muito maiores do que apenas o jeito de tocar guitarra de Jimi. Como qualquer verdadeiro grande trabalho, este álbum conseguiu alcançar vários níveis, principalmente caracterizando grandes composições interpretadas por uma grande banda e por usar o passado como uma ignição de partida para criar o seu aparente futuro. Os humores do álbum são múltiplos, sendo ele um disco desordeiro, alegre, bem humorado e sério. Os seus modos musicais incluem o rock’n roll, blues puro, extravagâncias psicodélicas e dentro de suas próprias regras, elementos de jazz e da música modernista também. É uma maravilha de gravação com várias camadas de som, no entanto, com a resolução das suas canções que poderiam em sua maior parte serem tocadas ao vivo no palco também. O seu vocal era um grande estilo rock'n roll de ser..., não com uma voz doce, mas uma que havia aprendido as lições que um profundo estudo sobre o blues e sobre BOB DYLAN havia para ensinar. E isso é impulsionado por uma visão de liberdade e de perigo, igual a qualquer essência verdadeira e honesta que existe no rock'n roll.
Você também pode perceber que o álbum “Are You Experienced” explorou a ideia de um álbum conceitual, assim como já havia sido exposto nos álbuns “Pet Sounds” (THE BEACH BOYS), “Freak Out” (MOTHERS OF INVENTION) e “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (BEATLES). Mas nenhum desses álbuns havia sido capazes de resolver as suas maiores ambições no contexto fundamentalmente atrevido do rock'n roll. Eles tinham sacrificado a velocidade, a potência e o seu ranger de dentes para poderem soar intelectuais. JIMI HENDRIX e companhia trouxeram todos estes elementos juntos e eles fizeram isso desde a 1ª nota da música que abre o álbum, que foi o pulso de blues no estilo parada de tempo da canção "Purple Haze" (lembrando que os álbuns que foram lançados para fora dos EUA, a música que abre o disco é a canção "Foxy Lady", mas os pontos levantados servem para ela também).
Além disso, a banda sustentou o frenesi por todo o álbum mesmo nas canções de ritmo mais lento, como nas canções “Hey Joe", "May This Be Love" e "The Wind Cries Mary". Essa é uma razão pela qual é de fundamental importância que Eddie Kramer e John McDermott (produtores musicais de Jimi) terem conseguidos restaurar as ordens de funcionamento originais destas canções. Você tem que começar com o Big Bang para chegar aonde Jimi queria levá-lo, em um circuito de todo o seu universo pessoal sendo uma experiência que não seria apenas para entretê-lo ou esclarecê-lo, mas para mudar a sua vida em sua própria essência. Uma promessa tão grande que apenas um rock'n roll enlouquecido o faria - e que Jimi não só tentou fazer, mas que realmente fez acontecer!
Para mim, aquele momento em que Jimi canta na música “Purple Haze”, falando: "ultimamente as coisas não parecem mais as mesmas", coloca todo o evento do álbum em perspectiva definitiva, porque realmente ele nunca mais o faria novamente.
A outra coisa imediatamente perceptível sobre o álbum, é que Jimi é cercado por um apoio enorme. Mitch Mitchell é o único baterista do período psicodélico cujo seu método de tocar se compara em poder e imaginação a Keith Moon (baterista do THE WHO), tanto que ele é a única força no registro desse álbum que, de alguma forma, desafia o domínio de Jimi (apesar de que é uma causa perdida após o 1º solo da música "Purple Haze"). Mitch Mitchell nunca afrouxou na sua bateria e na verdade, uma maneira de ouvir a canção "Manic Depression", seria como uma guerra psíquica musical entre Jimi e Mitch.
O papel de Noel Redding é como o de guarda-costas da batida sonora, sendo o tempo de alicerce básico que a banda retornaria periodicamente ao longo das suas excursões sonoras. Desta forma, o grupo funcionou mais como um trio de jazz, embora as comparações com as bandas THE WHO e com o CREAM sejam óbvias. O baixo de Noel ocasionalmente também funciona como um 2º instrumento melódico, mas o seu papel mais importante é manter toda a banda amarrada dentro da órbita planetária, caso contrário, ele poderia deixar escorregar das nossas mãos a nossa capacidade de compreendê-la como um todo.
Os papéis de Eddie Kramer e Chas Chandler como produtor musical e relações públicas, respectivamente, foram vitais. Mas também foi uma demasiada complexidade por assim se resumir (leia o livro de Eddie Kramer e John McDermott chamado, "Hendrix: Setting The Record Straight”, ou o livro do escritor Charles Shaar Murray, “Crosstown Traffic”, para entender melhor). Não obstante, deve-se dizer que algumas das ideias conceituais emanaram claramente por parte de Chas, e que sem o conhecimento, empatia e a imaginação de Eddie por trás da mesa de som, a sonoridade de Jimi teria sido perdida por completa. Apesar de que não seria qualquer engenheiro de som que teria concordado em tentar gravar esse tipo de extravagância, muito menos seria ele de tentar retira-la do disco também.
No entanto, ao final, tudo se volta para Jimi. A sua visão, a sua música, a sua guitarra malabarista e, finalmente para mim, tudo isso resultava na sua grandeza da experiência expressa em termos de amor profundo e um profundo senso de tragédia que ele estava geralmente concedido. Quando ele suspirava, dizendo: "Oh, não há vida em lugar nenhum", ele estava declarando que era exatamente contra ao que essa frase significa, literalmente falando. Quando ele canta na música que leva o nome do álbum, “Are You Experienced”, a frase: "Se você consegue apenas obter a sua mente em conjunto, então vamos atravessar comigo", ele oferece o amor do tipo mais profundo como uma forma de fraternidade que não nega nada...
Em sua descoberta de coragem em meio a um campo de desespero, em sua invocação do rock’n roll comemorativo em face à tragédia humana por completa, em sua crença de que o amor pode nos transformar, mas apenas se tomássemos o grande risco de nos doarmos uns aos outros, Jimi se colocou não só entre os grandes do rock’n roll e os grandes bluesmen que já existiram, mas também entre os grandes artistas afro-americanos, entre os grandes artistas americanos e entre os grandes artistas de todos os tempos.
Em 1957, o escritor negro americano chamado James Baldwin, escreveu algumas frases que se destacam, por assim dizer, no mínimo proféticas em relação à música de JIMI HENDRIX. Conforme está escrito no seu pequeno conto chamado “Sonny’s Blues”: "Ele e os seus meninos lá em cima foram-se mantendo sempre novos, mesmo com o risco da ruína, da destruição, da loucura e da morte, a fim de encontrar novas formas de nos fazer ouvir. Pois, enquanto nós possuímos os nossos próprios contos de como nós mesmos sofremos, como ficamos às vezes muito satisfeitos com alguma coisa e como nós podemos triunfar em algo sabendo que nunca será uma coisa nova..., ele sempre deverá ser ouvido. Não há qualquer outro conto para contar, porque esta é a única luz que nós temos em toda essa escuridão".
JIMI HENDRIX trouxe luz para as nossas trevas, tanta luz que mesmo assim ela meio que nos deixou cego para todas as dimensões das suas realizações. Mas temos tempo para compreendê-lo agora, pois a potência da sua chama é tal que imediatamente iniciou uma revolução sonora, que alterou o local e a direção de uma revolução estilística já em andamento. Na verdade, é tão poderosa que queima brilhantemente e forte depois de 04 décadas, do mesmo jeito como o fez no dia em que esse álbum deu a sua partida inicial e nos atingiu daquela forma. Pode haver músicas maiores do que as canções apresentadas aqui neste álbum, mas daí nós teríamos que fazer a mesma viagem para aonde Jimi foi prematuramente diante de nós, para ouvirmos essas músicas que ele ainda está criando...
por: Dave Marsh (escritor, jornalista e crítico musical americano. Ele trabalhou para a revista Creem, trabalha para a revista Rolling Stone e também é membro do comitê do Rock’n Roll Hall of Fame).
Ano: 2010
Track-list:
1- Foxy Lady
2- Manic Depression
3- Red House
4- Can You See Me
5- Love or Confusion
6- I Don't Live Today
7- May This Be Love
8- Fire
9- 3rd Stone From The Sun
10- Remember
11- Are You Experienced
12- Hey Joe
13- Stone Free
14- Purple Haze
15- 51st Anniversary
16- The Wind Cries Mary
17- Highway Chile