Sonic Youth: resenha do disco "Daydream Nation"
Em 1988, o SONIC YOUTH lançava o seu 5º álbum de estúdio e o divisor de águas para o grupo, o disco “Daydream Nation”.
E no ano de 2010, esse álbum havia sido relançado e trouxe no encarte do seu livrinho uma resenha escrita pela pintora alemã Jutta Koether. Por sinal, ela é amiga da vocalista/baixista do SONIC YOUTH, Kim Gordon.
Segue a tradução completa dessa resenha logo abaixo:
Onde tudo veio à tona!
Cada vez que eu escuto esse 5º álbum de estúdio do SONIC YOUTH, "Daydream Nation" (1988), alguma coisa é transferida para a minha mente como um pote em ebulição derramando sonoridades que se fixam em várias superfícies mentais, trazendo ainda algumas coisas emocionais que são recicladas de uma maneira muito especial. Isso quer dizer que sentimentos e percepções são traduzidos aqui em termos espaciais, reivindicando euforia e pavimentando a realidade. Mas, como um amigo me disse, no entanto, resenhas para encartes de álbuns são para fatos, não tanto para celebração...
Instigada por algum entusiasmo, isso pode ser um inerente produto da minha discussão sobre o significado, lugar e história dessas músicas, e também pela minha fascinação pelos efeitos sonoros que esse álbum nos apresenta - bem como o que esse disco pôde fazer por mim pessoalmente falando (na verdade, ele é muito sedutor).
"Daydream Nation": o retrato de um momento tomado por uma polaroid... Embora as cores estejam desbotadas, elas já estavam desbotadas quando esse álbum foi lançado, lembram? Escutando essas músicas hoje, elas mostram o poder da memória e dos conceitos sonhadores que eram pensados por nós, antes sem compromisso nenhum e sempre seguindo adiante. Para aquela época, esse disco havia surgido com uma gravação estilizada e um trabalho conceitual que nos permitia, durante a sua sonoridade, ficarmos fora do toque da realidade para "escutarmos a luz".
1988, o ano em que o álbum "Daydream Nation" foi lançado (eu não estava sozinha nesse meu entusiasmo) foi o ano em que uma multidão europeia de artes/música rock experimentaram esse momento muito delicado (naquela década onde as preferências musicais eram, digamos assim, “indelicadas”). Todos nós sabíamos e podíamos sentir que havia algo nos ritmos e nas combinações acumulativas do álbum "Daydream Nation", que permitiam que o político, o musical, o erótico e outras correntes do sonho, pudessem aparecer na superfície. Especialistas culturais interpretaram esse álbum como um encontro de metas de uma relação entre a reflexão e afirmação, entre a política e o popular, e entre a referência e a clareza sobre pensamentos musicais (eram correntes de ruídos sonoros carregadas de sentimentos que, previamente, eram impossíveis de expressar).
Música como a personificação de suas próprias condições, dando-lhe tanto o ímpeto quanto a energia para enfrentar esse tipo de processo dentro de uma levada de desconstrução. Ah, sim..., nós estávamos hiper impressionados a tudo isso.
E lá estava um desses raros momentos em tempos de desigualdade em que um consenso foi produzido e amplificado, tudo em uma grande onda de uma ofuscada benção. Para alguns de nós, era o passo mais sofisticado no plano musical que o SONIC YOUTH já havia criado.
Outros achavam que o disco "Daydream Nation" era como a perfeita demonstração do paradoxo da música underground, com uma fusão dialética em momentos de utopia e regressão. Para algumas outras pessoas, a coisa toda apenas parecia e soava tão bem quanto... Um avanço da incomparável, mas de alguma forma, também genérica música independente.
Fazendo marcas, se tornando bonito e fazendo vendas... Com esse álbum, a audiência do SONIC YOUTH se expandiu para muito além dos tipos artísticos. A multidão que ouvia esse disco cresceu mais e mais através do ano de 1988 - o ano em que eles trouxeram tudo à tona.
Já era tempo do amor estar em alta com essas fusões, confusões, citações, certas maravilhas e oscilantes substâncias sonoras. Foi um tempo para desfrutar daquele extenuante retrabalho de reciclagem...
Para nós, parecia que o SONIC YOUTH era uma banda qualquer que estava tocando somente para si mesma, através de algumas densas camadas da história musical com as preferências que variavam do “noise punk” da cidade de New York ao rock britânico - com influências também da banda ZZ TOP. Tudo isso moldados juntos dentro de um álbum conceitual com uma quase tremenda solidez.
Chame isso de transgressão, mas com um momento de perda.
1988, o ano em que os EUA ainda eram uma Nação-Reagan (ex-presidente), foi quando o álbum "Daydream Nation" havia sido lançado. Uma nação que estava sonhando e/ou cochilando? Comece agora um conflito de ideias com essa pergunta... Largada queimada, sendo que uma das coisas mais estranhas e absurdas sobre esse álbum (em relação ao momento sócio-político da época) foi o fato de que o ouvinte tinha que passar pela música/letra da canção "Teenage Riot" (já que ela abre o disco), que era uma audição tão boa quanto uma ideia que parecia impossível de ser reciclada. Várias e novas informações líricas e sonoras, tudo acontecendo durante essa música que é instantaneamente a mais óbvia atraente canção do álbum.
A banda já havia experimentado as várias possibilidades de desconstrução musical, não necessariamente apresentando solos de guitarra, mas sim, com fragmentações sonoras e com várias éticas do underground.
1988, o ano para drenar a essência daqueles anos experimentais e através desse processo, produzir uma obra-prima. Era o momento perfeito para sugerir uma transferência...
Depois que a banda passou pela "recriação” de uma obra-prima (instigando o álbum dos BEATLES que foi o disco “The Whitey Album”, lançado também em 1988, mas antes do “Daydream Nation” ter sido lançado, com o nome do grupo mudado para CICCONE YOUTH e apresentando Mike Watt - da banda MINUTEMEN - como o 5º membro do grupo), eles então se propuseram em fazer a obra-prima "original".
É por isso que na minha opinião, o disco “Daydream Nation” deveria ter sido um álbum duplo.
E poderia tal coisa ser uma obra-prima do underground? Com a inclusão de uma grande arte (que foi a arte interna e da capa desse álbum com essas 02 pinturas de velas feitas pelo pintor alemão, Gerard Richter), o disco “Daydream Nation” tornou-se visualmente e musicalmente uma descrição de perdas e dúvidas internas. Naquele momento, esse álbum tinha que ser grande...
Agora, falando em linha reta dentro do coração de um paradoxo:
"Daydream Nation" marcou as boas vibrações da cultura popular e da música em geral, tão bem quanto às coisas ruins da época nomeando a miséria da situação atual e nomeando os métodos de ruptura que existiam dentro daquela apatia... Este álbum tornou-se um veículo para a transformação, criando um bom sonho para fora daquela situação entre o debilitante e o sombrio que a sociedade vivia. Na verdadeira realidade, era ainda a época do presidente Reagan, mas ainda dentro da verdadeira realidade, esse disco mostrou o potencial da desestabilização, incorporada em possibilidades entrelaçadas em harmonias e melodias, vocais menos encorpados e soando às vezes, quase como um jazz com pontos de improvisação. Por mais que esse álbum tenha sido um grande trabalho aberto e uma marca de transferência, "Daydream Nation" é o vínculo definitivo e o ponto de partida do passado do SONIC YOUTH - como uma banda “noise” da vanguarda de New York - para o papel de culturalistas da sociedade que foram exibidos em todos os seus subsequentes álbuns de estúdio.
“Daydream Nation”: um álbum como uma máquina de transformação com uma atmosfera que nos faz bem, sendo que esse disco ainda funciona dessa forma. Foi um álbum muito experimental com aquelas técnicas de descobertas que sugerimos que permaneçam intactas.
É por isso que eu não hesito em dizer-lhes sobre esse álbum agora. Desta forma, a romântica e a analista que existem dentro de mim não são apenas inseparáveis, mas ligadas entre si pelo disco "Daydream Nation".
Além disso, eu gostaria de adicionar a fala de um músico logo abaixo:
"Há momentos raros em qualquer álbum, onde as buscas selvagens dos guitarristas colidem no que poderia ser descrito como um 'esplendor'. É como ser capturado pelas corredeiras, colidindo forte nas pedras ao seu redor para em seguida cair de uma cachoeira - e realmente ter gostado disso" (Tom Verlaine, vocalista/guitarrista da banda TELEVISION).
Com esse álbum, você vai testemunhar o surgimento das antigas manchas do SONIC YOUTH ao lado dos novos momentos que a banda nos apresenta, para que depois nós possamos nos fazer aquela mesma pergunta novamente: "Are You Experienced?" (nome do 1º álbum de estúdio de JIMI HENDRIX). Sendo que só é possível ganhar experiência através da experiência, não é?
Bem, aqui vão algumas telas finais para sons de guitarra...
Ass: Jutta Koether (pintora alemã, musicista e analista crítica em New York e Berlim).
Ano: 2010
Track-list:
1- Teenage Riot
2- Silver Rocket
3- The Sprawl
4- Cross The Breeze
5- Eric's Trip
6- Total Trash
7- Hey Joni
8- Providence
9- Candle
10- Rain King
11- Kissability
12- Trilogy (The Wonder; Hyperstation; Eliminator Jr.)