Soundgarden: como a banda encarou o "fim" do grunge?
Depois que Kurt Cobain morreu, tudo pareceu mudar e na imprensa britânica ficou claro que eles já estavam cansados da desgraça e melancolia que percebiam estar saindo de Seattle - incluindo o SOUNDGARDEN.
O grunge estava morto para a imprensa britânica.
Primeiro, foi a revista Kerrang, um veículo de comunicação que tinha defendido o SOUNDGARDEN desde o início dos anos 90, e que agora chamava o seu retorno à Inglaterra de "entediante". O SOUNDGARDEN, depois de se apresentar no famoso Reading Festival/1994 na Inglaterra como uma das últimas bandas da noite, voltou a tocar também na edição de 1995 - a sua única data no Reino Unido naquele ano.
A revista Kerrang passou a chamar o desempenho da banda no Reading Festival/1995 de "letárgico e estático".
Esta foi uma visão que nenhum fã visualizou naquele dia, os quais testemunharam um setlist poderoso que terminou com um cover de 10 minutos da canção dos BEATLES, “I Want You (She's so Heavy)".
Quando o SOUNDGARDEN retornou ao Reino Unido em 1996 com o seu novo álbum lançado, "Down on The Upside" (5º disco, 1996), as facas estavam de fora novamente.
O PEARL JAM conseguiu evitar o mesmo nível de críticas porque naquele ano, o altamente subestimado novo álbum deles, "No Code" (4º disco, 1996) - com Eddie Vedder e companhia ainda se recusando a fazer vídeo clipes com um pouco ou nenhum marketing - os seus rostos não eram tão visíveis na mídia, mas para o SOUNDGARDEN foi o oposto. Era certo que eles lançariam mais vídeos e fariam entrevistas para promover o seu novo álbum - simplesmente o disco sucessor do seu álbum de maior sucesso comercial até hoje, "Superunknown" (4º disco, 1994)
A outra revista britância, New Music Express, fez com que as opiniões da revista Kerrang sobre a banda parecessem relativamente inofensivas. Esta foi uma revista que, quando a canção “Fell on Black Days” foi lançada (como single do álbum "Superunknown"), a crítica foi redigida por apenas 04 palavras: “Você deve estar brincando”.
A New Music Express estava fazendo o melhor para promover o seu movimento caseiro, o Brit Pop, incluindo bandas como OASIS e BLUR, mas o SOUNDGARDEN com as suas músicas hard rock era a última coisa que eles queriam cobrir.
Avançando alguns anos depois e quando a música "Burden in My Hand" foi lançada (como single do disco "Down on The Upside"), a mesma revista se inclinou para uma nova baixa. Eles não queriam que a invasão americana das bandas de rock continuasse na Inglaterra, talvez pelo fato do NIRVANA - onde é de conhecimento de todos que estava quase implodindo, ocasionando na morte de Kurt - ter desencadeado uma sensação de decepção a todos, o SOUNDGARDEN havia se tornado no bode expiatório da mídia britânica.
Então, quando Chris Cornell gritou a brilhante letra da canção “Burden in My Hand”: "Eu atirei no meu amor hoje" ("I shot my love today"), o crítico da New Music Express questionou se Cornell tinha realmente cantado: "Eu atirei na minha carga hoje" ("I shot my load today"). Era um bom humor de escola, mas para qualquer um que seguisse a música do SOUNDGARDEN naquela época, parecia ser uma fala muito otimista como se a imprensa quisesse cancelar os esforços da banda, antes mesmo deles terem dado qualquer chance ao grupo.
Note que com o passar dos anos e com a reunião do SOUNDGARDEN em 2010, as 02 revistas voltaram a amar e apoiar a banda.
Em Setembro/1996, o SOUNDGARDEN realizaria o que acabaria sendo a sua última turnê na Inglaterra - antes de encerrar as atividades pela 1ª vez em 1997. Um dos shows finais foi na Brixton Academy, em Londres, um local muito estimado historicamente para a banda, onde essa apresentação foi uma das mais importantes na carreira do grupo.
O que aconteceu, foi que o melhor do SOUNDGARDEN fez "o" concerto no lendário local.
Alguém teria que acreditar que Chris Cornell leu um pouco do que a imprensa britânica estava dizendo sobre a performance da banda no Reading Festival no ano anterior, em 1995. Então, Cornell voltou para o começo dos anos 90 na apresentação em 1996, tocando um 1/3 do show sem a sua guitarra, correndo como um maníaco pelo palco, agarrando o microfone, jogando-o para o alto e para a plateia. Ele se levantou como uma fênix naquela noite, ficando exposto na cara de todo mundo como se ele tivesse algo a provar.
Abrindo este show com a clássica música “Spoonman” (lançada em "Superunknown"), o local passou de um silêncio mortal e enegrecido para uma série de luzes piscando. 07 músicas foram tocadas do disco "Down on The Upside", sendo que o mega hit, a canção "Black Hole Sun" (também lançada em "Superunknown"), chamou a atenção quando as luzes se apagaram. Para essa performance, Cornell se aproximou da beira do palco com a sua guitarra e um único holofote sobre ele. Esta versão sem os outros membros da banda era nova para a platéia e a performance foi assombrosa.
O SOUNDGARDEN terminou a noite com a música que realmente os lançou para os corações dos fãs ingleses, "Jesus Christ Pose" (3º álbum, "Badmotorfinger", 1991). O show foi um exemplo impressionante do que a banda ainda poderia alcançar quando tudo estava em comunhão sonora, mesmo que agora houvesse pressões internas e as divergências estavam em alta.
Em 1997, na primavera seguinte, o SOUNDGARDEN anunciou a sua separação e não pareceu ser um choque na época. Apesar dos grandes shows, a química bruta havia desaparecido da banda, que era a mesma conexão que os tornara sucessores dignos de grupos patriarcas em sua influência, como o BLACK SABBATH e LED ZEPPELIN. Não houve um derramamento de pesar quando a banda desistiu, porque sempre havia a sensação de que em algum dia eles tocariam juntos novamente.
13 anos depois, o grupo voltou após se reagrupar em 2009 nos bastidores num show do PEARL JAM. A indústria da música mudou muito com a evolução da internet e as pressões não eram as mesmas. Eles perceberam que não havia necessidade de retornar com um novo disco, entrar no ciclo de gravações e depois sair em turnê - essa corrente já havia sido quebrada a tempos.
E foi assim que a banda fez as coisas à sua maneira, eles testaram levemente as águas já conhecidas e pularam de volta, mas agora não havia mais necessidade de serem "pau-mandados", tudo poderia ser feito nos termos e no ritmo deles. Este novo método de abordar o negócio da música foi destacado quando a banda gravou o seu novo álbum de estúdio sem ter um contrato de gravação, "King Animal" (6º e último disco, 2012). Cornell na época havia comentado em entrevista, que a sensação parecia a mesma de quando a banda começou a carreira, referenciando o fato de que eles não tinham nenhum contrato com qualquer gravadora.
O SOUNDGARDEN iria participar de turnês mundiais e para muitos fãs essa foi a 1ª chance de ver a lendária banda de Seattle ao vivo. O futuro parecia brilhante para a banda, mas a escuridão pairava em toda a música e se entrelaçava nas letras de Cornell, sendo que na noite de 17 de Maio/2017, a última cortina da banda foi parar em Detroit, depois que Chris Cornell voltou daquele show ao seu quarto de hotel e veio a falecer. O choque foi imenso e depois de 01 ano ainda é, mas vale a pena lembrar dos bons momentos, porque houve uma vida inteira deles.
Ao ouvir a morte de Cornell, Josh Bruer, um fã de New York, foi entrevistado na televisão. Ele era fã da banda há quase 30 anos e a repórter perguntou o que ele faria. Ele olhou para a repórter, olhou para a câmera e disse: “Eu vou para casa, ligar o meu som, deixar o volume no máximo e explodir com 'Room a Thousand Years Wide'”.
A repórter não entendeu nada, claramente sem saber que essa era uma música do SOUNDGARDEN. Josh finalizou: "E depois disso, eu vou fazer um 'Big Dumb Sex'".
A piada ficou perdida na grande mídia com a citação de 02 músicas da banda, mas foi algo que Chris Cornell certamente daria uma enorme gargalhada...
Chris faz uma grande falta no rock e sempre fará, mas a sua luz nunca se apagará nesse mundo "Superunkown".
Confira o setlist do show citado nessa matéria, realizado na Brixton Academy em Londres, no ano de 1996:
Setlist
1. Spoonman
2. Searching With My Good Eye Closed
3. Let Me Drown
4. Pretty Noose
5. Burden in My Hand
6. My Wave
7. Ty Cobb
8. Fell on Black Days
9. Boot Camp
10. An Unkind
11. Rusty Cage
12. Black Hole Sun
13. Outshined
14. Mailman
15. Drawing Flies
16. Blow up The Outside World
17. Kickstand
18. Slaves & Bulldozers
Encore Break
19. Never The Machine Forever
20. Jesus Christ Pose
ps: matéria formulada a partir de várias revistas que possuo das antigas, livros autobiográficos, pesquisas in loco em sebos e gratas lembranças de quando a MTV era um canal de música de verdade no começo dos anos 90, onde gravei mais de 10 fitas de vídeo-cassete com vídeo clipes, entrevistas e documentários.
O site Rock in The Head havia publicado 02 matérias em complemento a esta que você acabou de ler, fechando a cronologia em 03 partes. É só clicar nos links abaixo: