Nirvana: resenha sobre as canções "Rape Me" e "All Apologies"
Uma das bandas mais populares da história do rock, NIRVANA, provou ser especialmente proveitosa em 1993, iniciando uma turnê com itinerário completo e puxado pelos EUA e Europa, divulgando o então novo álbum de estúdio (e um dos mais aguardados dos anos 90), "In Utero" (4º trabalho de estúdio, 1993).
Duas músicas antológicas que foram lançadas nesse disco (e juntas como single, foto acima), “All Apologies” e ”Rape Me”, é uma das maiores duplas de lado-a em um disco - do rock alternativo e na história do rock.
Liberar dois hits em potencial em um único álbum, é uma coisa rara que há muito tempo não acontece, isso que ambas canções já tinham sido tocadas ao vivo desde 1991, mas foram lançadas somente em 1993.
Olhando para a estranha dicotomia dos títulos um ao lado do outro, você quase pensaria que o vocalista/guitarrista, Kurt Cobain, estava se desculpando por agressivamente pedir para ser uma vítima. Em qualquer momento na história do rock, apenas o título da música "Rape Me" seria controverso e é claro que foi este o caso. Enquanto Cobain já despertou nossos sentidos com a angustiante história verídica de sequestro - do ponto de vista do sequestrador - na canção “Polly” (2º disco, "Nevermind", 1991), em “Rape Me”, Cobain "interpretou" a personagem Polly - e não do agressor.
Com um aceno carinhoso ao MUDHONEY, Cobain começa "Rape Me" com um riff embaralhado, que soa quase idêntico à introdução da música "Need" (lançada em 1988) - mais do que a inversão conhecida do riff de introdução do hino "Smells Like Teen Spirit", do próprio NIRVANA.
Mas a letra se trata de um confessionário ou de um confronto? Cobain implica um comando de duas possibilidades, já que a letra e o vocal poderiam ser o personagem que pede ao atacante que acabe com ele, para que o seu sofrimento possa terminar - ou o personagem estava pronto para revidar? O jeito que ele canta, soa como se fosse um derrotado, cansado e abusado, mas no final, depois de um incrível refrão de: “Eu não sou o único”, a energia da música e a percepção de Cobain de que os outros são vítimas, lhe dá a força até o final da canção para gritar em desafio: “Me estupre!!”.
O momento de cruzamento é quando ele conclui a ponte com a letra: "Você vai feder e queimar". Agora, Cobain esta mais forte, parecendo confiante no resto do caminho nos versos baixos e fervilhando, antes do golpe de nocaute no final da música.
Também sabemos sobre a parte da letra: "Minha fonte interna favorita", onde alguém da equipe caguetou mentirosamente à mídia sobre a situação em drogas de Courtney Love em plena gravidez, que gerou a famosa matéria na revista Vanity Fair e abriu processos judiciais quanto a guarda da bebê Frances.
Confira uma das últimas performances do NIRVANA, apresentando aqui a canção "Rape Me" (na TV francesa em fevereiro de 1994):
A música “All Apologies” pode ser descrita com uma palavra: incrível.
Junto com muitos elogios, foi realizada pelo NIRVANA com a cantora Lorde na indução da banda grunge ao Rock and Roll Hall of Fame em 2014.
Provavelmente, a melhor das duas músicas do single, com um som mais claro mas que também apresenta uma dicotomia - uma mistura do lado ensolarado da vida e o túmulo.
Tão brilhante e estimulante quanto o refrão é: "No sol eu me sinto como um", Cobain termina em uma percepção gélida: "Casado, Enterrado", que a vida ainda vai acabar, não importa quão boas ou ruins as coisas estejam indo. Também se refere à reação do público a ele estar com Courtney Love e como alguns caras fazem piadas sobre o casamento, acabando com toda a diversão. Uma letra descartada que Cobain chegou a cantar nas primeiras vezes, dizia: "O que mais eu posso fazer / Eu estou apaixonado por você".
Assim como as letras da música que abre o disco "In Utero", “Serve The Servants", Cobain é altamente consciente de como as pessoas o enxergam, daí as linhas de abertura na canção "All Apologies": “O que mais eu deveria ser? / Todas as desculpas". Apegado a ser cínico, Kurt canta sobre uma melodia que soava perfeita para a rádio e MTV.
Com a sua passagem trágica menos de 01 ano depois, as letras começaram a parecer pensamentos de suicídio quando vistas em retrospecto, especialmente dentro do contexto do acústico da MTV, no final de 1993.
Sonoramente, a música é celestial, como todo momento possui um grande gancho.
Cobain declara sobre esta canção no livro "Come as You Are" (biografia oficial da banda, lançada quando o grupo ainda estava em atividade): "Eu gosto de pensar que a música é para elas (Courtney e sua filha Frances), mas as palavras não se encaixam em relação a nós... O sentimento sim, mas não as letras".
Já era comercialmente acessível com a gravação tosca (no bom sentido) que foi lançada no álbum "In Utero" pelo produtor Steve Albini, com as linhas de violoncelo em dinâmicas crescente e decrescente, adicionando drama ao fantástico riff de Cobain - quando Krist Novoselic e Dave Grohl entram com um brilho explosivo em cada refrão.
Quando a previsão acidentalmente acurada e infeliz de Cobain do seu próprio futuro imediato se tornou realidade - na primavera do ano seguinte, quando ele cantou nessa música: "Casado, Enterrado" - o mundo do rock olhou postumamente mais uma vez para essa canção e viu como ela se entristeceu, já que havia sido lançada como single promocional.
Mas foi a versão do acústico da MTV que transpareceu mais serenidade - e agridoce em retrospecto. Lembrando que a MTV vinha usando o vídeo dessa performance como videoclipe oficial, desde dezembro de 1993.
Sendo a última música do disco, o final alongado em forma hipnótica da canção foi um dos nossos últimos momentos com um NIRVANA ativo, enquanto a clássica distorção suja da banda começa a florescer, a deixando aos poucos mais limpa e limpa até perder a musculatura e residir em silêncio. Este final parece a vida caótica de Cobain, se enfraquecendo e residindo no fato de que ele nunca será feliz, repetindo seguidamente: “Afinal, é tudo o que nós somos”.
Como não importa o que nos esforçamos para alcançar, todos nós temos limitações e tudo o que fazemos - tanto o bem quanto o mal - conta como nos percebemos. Uma letra com um otimismo cauteloso e permanente pessimismo. Se alguém escrevesse essa música agora, provavelmente teria terminado com "é o que é".
Confira a performance do NIRVANA com a canção "All Apologies", num show em Seattle no ano de 1993:
Nenhuma das músicas negou o tempo de ouro entre elas e nem precisaram de videoclipes. Elas foram enormes quando o NIRVANA as marcou em nossos cérebros para toda a vida, desde quando o álbum "In Utero" foi lançado e fomos comprar o disco na loja da cidade - foram momentos e sensações primárias em escuta-las pela 1ª vez, que nunca esquecerei...