Deep Purple: "as bandas britânicas eram malucas, subíamos ao palco e fazíamos qualquer coisa"
Segue a matéria e entrevista que o atual vocalista do DEEP PURPLE, Ian Gillan, concedeu ao jornal britânico The Sun.
O grupo lançou seu 23º disco, "=1", o qual o jornal concedeu 04 estrelas em um total de 05, destacando a sonoridade hard rock clássica que carimbou o DEEP PURPLE desde o início.
Confira:
"As bandas britânicas eram malucas… Subíamos ao palco e fazíamos qualquer coisa", disse o vocalista da formação clássica do DEEP PURPLE, Ian Gillan, enquanto a banda estava lançando seu 23º álbum de estúdio em 19 de julho de 2024, "=1".
Qual banda britânica que Gillan considera a mais importante?
Se há uma coisa em que nós, britânicos, somos bons, é hard rock.
Com mechas esvoaçantes caindo até os ombros e jeans incrivelmente apertados, os pioneiros deste simples gênero desfilaram pelo cenário mundial e venderam milhões de discos. E liderando o ataque dessas terras no final dos anos 60 e início dos anos 70 estava a chamada “trindade” – LED ZEPPELIN, BLACK SABBATH e DEEP PURPLE.
Por que a nossa terra forneceu esses monstros conquistadores do rock?
"Éramos todos malucos, é por isso!” disse Gillan, possuidor de um dos gritos mais imponentes na forma de ser. “Eu costumava ouvir bandas americanas e pensar: ‘Meu Deus, elas são tão bem ensaiadas e tudo é absolutamente incrível’, mas com as bandas britânicas éramos simplesmente malucos. Subíamos ao palco e fazíamos qualquer coisa”.
Estou conversando com Gillan porque o DEEP PURPLE é o último sobrevivente dos 03 grandes, ainda "destruindo" estádios e fazendo novas músicas. Atualmente embarcados em uma turnê mundial pela Europa, EUA e América do Sul, com datas no Reino Unido marcadas para novembro, eles estão lançando seu 23º álbum de estúdio – o efervescente e com o enigmático título, "=1".
Hoje em dia, a banda é formada por Gillan, o membro fundador Ian Paice (bateria), Roger Glover (baixo, da formação clássica), Don Airey (teclados, desde 2002) e o recente recruta Simon McBride (guitarra), que substituiu Steve Morse (ficou no grupo de 1994 à 2022).
Desta formação, Gillan, Paice e Glover tocaram nos álbuns que definiram a carreira do DEEP PURPLE, "In Rock" (4º disco, 1970) e Machine Head (6º disco, 1972), através de clássicos do rock'n roll com as músicas "Smoke on The Water", "Child in Time", "Black Night" e "Highway Star",
Falando a partir da sua casa em Portugal, Gillan, aos 78 anos de idade, é uma mina de informações úteis. Dentre vários assuntos, ele reconhece o impacto de Jim Marshall, que foi o pioneiro em amplificadores de guitarra para que as bandas pudessem aumentar o volume além do máximo. Ele também enfatizou o poder do rádio portátil em sua infância e adolescência, que deu aos jovens controle sobre a música que queriam ouvir.
“O rádio da família ficava ligado em uma estante na parede de casa e era controlado pelos meus pais, mas de repente tínhamos uma coisinha que você podia colocar no bolso e levar para o parque ou para a praia (rádio portátil). Então, não foram seus pais que decidiram que você deveria ouvir Frank Sinatra, foi você pensando que poderia ouvir Little Richard. Isso teve um efeito indireto para as crianças com imaginação selvagem”, disse ele.
Um desses garotos era o próprio Gillan, destinado a uma vida no rock and roll: “Eu cresci em uma família musical. Meu avô cantava ópera, meu tio era pianista de jazz e eu era o soprano no coro da igreja. Quando ouvi Elvis Presley cantando a música 'Heartbreak Hotel' pela 1ª vez, tudo mudou. Mais tarde, eu estava em bandas de blues e depois em um grupo harmônico pop chamado EPISODE SIX. Já tínhamos cerca de 12 singles lançados e éramos muito bons, não instrumentalmente poderosos, mas adequados. E então, foi quando consegui a vaga como vocalista do DEEP PURPLE".
Gillan entrou junto com o baixista Roger Glover quando eles foram convidados a integrar o que se tornaria a formação clássica do DEEP PURPLE, com Ian Paice na bateria, Ritchie Blackmore na guitarra e Jon Lord nos teclados, o "pai da banda" (todos eles membros fundadores).
“Eu comecei a escrever músicas com Roger, mas quando nos juntamos ao DEEP PURPLE em agosto de 1969, não éramos apenas vocalista e baixista, mas também uma dupla de compositores", disse Gillan.
A 1ª grande conquista da formação clássica foi o álbum "In Rock".
“Isso estabeleceu a banda”, Gillan falou. “Não havia nada de artificial naquilo e foi completamente orgânico. Me lembro da alegria nas salas de ensaio da banda naquela época, tipo, ninguém conseguia nos tirar de lá. As músicas eram criadas a cada 10 minutos e depois descartadas. Algumas foram experimentadas nos shows e esquecidas no dia seguinte. A canção 'Child in Time' foi escrita em 10 minutos e era simplesmente incrível”.
"Child in Time"
Gillan acrescentou que esse inspirado encontro de mentes musicais significou que: “O DEEP PURPLE teve muita sorte naqueles primeiros dias. Com Jon Lord, Ritchie Blackmore e Ian Paice, assim como eu e Roger, tivemos uma riqueza de influências, desde composições orquestrais ao rockabilly, passando pelo blues e soul music".
Em seguida, pergunto a Gillan sobre o "verme" instantâneo, a música "Black Night", que alcançou o 2º lugar no ranking de singles do Reino Unido no verão de 1970: “Isso foi tão orgânico... Em uma tarde, a escrevemos e gravamos uma demo no estúdio, mas somente a parte instrumental. Então, pensamos em dar um tempo do estúdio e fomos ao pub para conversar e pensar a respeito sobre as letras - e tomar uma bebida também, imagino".
“Voltamos depois de algumas horas com as letras rabiscadas em guardanapos manchados de cerveja e gravamos os vocais. O título foi roubado de uma música de Arthur Alexander (cantor americano de country/soul), mas na verdade, as letras é um monte de bobagens”.
"Black Night"
O 3º álbum com a formação clássica, "Machine Head" (1972), é considerado o auge do DEEP PURPLE. Gillan concorda, mas diz que todos os álbuns da banda em que esteve envolvido “são como meus filhos pra mim”.
“Eles não são todos ótimos, mas eu amo todos eles. As evidências mostram que o álbum 'Machine Head' foi absolutamente catalítico na consolidação do nosso futuro”.
Apresentando a música "Smoke on The Water", tornou-se a canção de assinatura do DEEP PURPLE, começando com seu riff icônico. Gillan lembra-se vividamente de sua criação: “Precisávamos de mais 06 minutos de música para completar o álbum e não tínhamos mais tempo. Tivemos essa jam session e rapidamente escrevemos as letras que foram um relato biográfico de como foi a criação do disco 'Machine Head', e foi isso. Música muito simples com um ótimo riff".
Para a banda era apenas mais uma canção, embora muito útil, pois levou o disco deles aos limites. Bingo!
Gillan continuou: “Muitos meses após o lançamento desse álbum durante uma turnê americana, um cara chamado Russ Shaw, da Warner Brothers, veio nos ver em um show e viu a reação do público quando começamos a tocar a canção 'Smoke on The Water'. Ele tentou descobrir por que não havíamos lançado essa música como o single do disco. Claro, possui quase 06 minutos de duração e nenhuma estação de rádio iria querer tocá-la. Foi quando a editamos para 03 minutos e 54 segundos e a lançamos como o último single do álbum logo depois. Tornou-se a música mais tocada do mundo na época. Ela fica presa na mente, sabe? Música muito simples, viciante e com um ótimo riff”.
"Smoke on The Water"
Depois do álbum "Machine Head", Gillan ainda gravou com o DEEP PURPLE o excelente disco duplo ao vivo da banda, "Made in Japan", e o desanimador esforço de estúdio com o álbum, "Who Do We Think We Are" (7º disco, 1973), com Gillan saindo do grupo no final de 1973. Depois de transitar com seus grupos solo e sua estada de 01 ano no BLACK SABBATH, ele retornaria ao DEEP PURPLE em 1984 e renascendo mais uma vez a formação clássica da banda.
Em grande parte causada por “diferenças criativas” entre ele e o guitarrista Ritchie Blackmore, a formação clássica teria o seu fim em 1993, com Blackmore saindo do grupo.
Gillan dá uma mensagem especial aos outros 02 membros da formação clássica que estão no DEEP PURPLE há muito tempo: Paice e Glover.
“Ah, esses caras! Sem eles você não teria uma seção rítmica e sem uma seção rítmica todos os solos de guitarra não significam nada. Ian Paice cresceu quando criança em uma família musical, assim como eu. E ele tem sido a rocha de sustentação por trás da banda desde que ela começou. Ele é o pai fundador desde que Jon Lord (teclados) faleceu em 2012".
Gillan continuou: "Já cantei a música 'Smoke on The Water' com alguns bateristas do heavy metal e alguns bateristas muito famosos, mas nenhum deles tocavam direito, da forma original eu digo. Eles estavam todos detonando a bateria, mas Ian deixa a música fazer o seu trabalho, você me entende? A coisa está em seus ossos e ele é provavelmente o membro mais importante da banda”.
Em seguida, Gillan volta sua atenção para seu parceiro original "no crime": “Roger Glover quase foi meu mentor porque ele começou a escrever músicas antes de mim. Passamos dias, semanas e meses praticando a arte da escrita, aprendendo juntos sobre o valor percussivo das consoantes e aprendendo quais sons vocálicos usar em notas altas".
Gillan disse que o estilo de vida de uma estrela do rock era apenas um sonho quando eles se conheceram: “Estávamos tão magros e não tínhamos muitas roupas para vestir. Quando entramos no DEEP PURPLE, não podíamos sair para uma festa juntos porque só tínhamos 01 calça para dividir entre nós e 01 camisa apresentáveis - e literalmente um pedaço de barbante como cinto. Roger não tinha sapatos e os meus tinham buracos na sola".
E Gillan está grato por ainda ter Paice e Glover ao seu lado: “Eles são a seção rítmica mais compatível que existe”. Isso nos leva ao novo álbum de estúdio do DEEP PURPLE, "=1", um dos mais fortes de sua discografia em anos e repleto do velho espírito dos anos 70.
O estranho título traz uma explicação cuidadosa. Gillan disse que vem da tentativa de navegar pelas complexidades e pela burocracia associadas à vida moderna: “Comecei a desenhar uma equação que tornei tão complicada quanto minha matemática simples permitia, mas ainda assim era bastante impressionante. Simboliza a simplicidade e pensei que pequenos exercícios matemáticos como esse me mantêm são, foi quando percebi que este seria um ótimo 'totem' para todo o disco, ou seja, a ideia conceitual solta que une tudo é a simplicidade".
Das músicas lançadas nesse novo álbum, o destaque fica para "Lazy Sod" que apresenta uma ótima história por trás: “Isso vem de quando me mudei para Portugal há 17 anos atrás e acidentalmente coloquei fogo na minha casa”, disse Gillan com tristeza. “Joguei uma lenha na lareira e a próxima coisa que percebi foi que a sala da minha casa estava cheia de fumaça. Tinha um ninho de passarinho na chaminé da minha casa, muito alcatrão e outras coisas que se acumularam ao longo dos anos, foi quando o incêndio começou. Depois, eu comecei a sonhar com aquele incêndio e aquilo ficou na minha mente”.
"Lazy Sod"
Quanto ao outro destaque forte do álbum, a música "Portable Door", Gillan explicou sobre as letras: “Eu tenho uma 'porta portátil' na minha cabeça desde que estava na escola. É muito útil, sabe? Posso ir e vir quando quiser, como se estivesse invisível".
"Portable Door"
Gillan também cita a canção, "Old Fangled Thing", que é essencialmente: “Uma música sobre o lápis de escrever, a invenção que representa o nascimento da civilização”.
"Old Fangled Thing"
Para encerrar, ele também mencionou entusiasmado o som sedoso da canção "No Money to Burn": “Eu amo esse riff. Apresenta aquele pulo atrevido no final de cada linha”.
"No Money to Burn"
DEEP PURPLE está na 3ª idade, mas uma coisa é certa: eles ainda detonam e forte!
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