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by Brunelson

Jimi Hendrix: como o maior guitarrista de todos os tempos, racismo e grunge, se cruzam 50 anos após seu falecimento

Confira a matéria que o jornal Seattle Times havia publicado em setembro de 2020 para marcar os 50 anos do falecimento do seu guitarrista nativo da cidade, Jimi Hendrix:



Ele não está nos palcos do mundo, mas Jabrille “Jimmy James” Williams está arrebentando com suas músicas. Não é preciso muita insistência para colocar um dos principais guitarristas de Seattle — e um aficionado por Jimi Hendrix — em ação, contando histórias de amor sobre jam sessions perdidas e outras lendas hendrixianas que queimam tão intensamente quanto uma guitarra Fender Stratocaster em chamas.


Até mesmo seu nome artístico, um pseudônimo que o próprio Hendrix usou uma vez, é em parte uma homenagem ao ícone da música nascido em Seattle: “Jimi Hendrix representava tudo o que tem a ver com a palavra ‘liberdade’”, disse James em uma entrevista por telefone em tempos pandêmicos. “As pessoas querem colocá-lo em uma caixa, mas ele nunca se encaixou em um rótulo e é isso que eu sempre amei nele”.


O guitarrista astuto do grupo instrumental de soul music, THE TRUE LOVES, e da banda DELVON LAMARR ORGAN TRIO, dificilmente está sozinho em suas opiniões sobre Jimi Hendrix. Décadas depois que a última nota soou durante seu último show realizado em Seattle no ano de 1970, o legado de Hendrix continua a alimentar a cena musical em sua cidade natal, uma cidade com a qual ele teve um relacionamento complicado antes e depois da decolagem de sua carreira para Londres.


É quase impossível quantificar o vasto impacto que Hendrix teve na cultura popular, falecido há 50 anos atrás em uma sexta-feira no dia 18 de setembro de 1970. Ele empurrou os limites do que a guitarra era capaz de fazer e sua individualidade quase mística inspirou gerações de artistas em todos os gêneros e continentes a agitar suas bandeiras também.


“Ele veio como um cometa”, disse James. “Ele veio, queimou brilhantemente, disparou para o céu, queimou as pálpebras de todo mundo e então, ele foi embora… Ele voltou para qualquer dimensão de onde veio originalmente”.


Meio século depois, o espírito de Hendrix continua vivo em alguns dos luminares da música moderna de Seattle, assim como os efeitos do racismo que Hendrix teve que suportar ao longo de sua vida.


As histórias de Hendrix que seu vizinho e amigo, Ayron Jones, cresceu ouvindo, não eram de guitarras incendiadas ou jams lendárias. Elas eram de Jimi Hendrix, um ser humano comum. Hendrix cresceu principalmente em torno do Central District e estudou na Garfield High School, onde um busto de bronze de Hendrix agora reside. Alguns de seus primeiros shows foram no Washington Hall e no Yesler Terrace Neighborhood House.


Mas quando Jones percorria os mesmos corredores da Washington Middle School que Hendrix percorreu antes no ensino médio, o hard rocker (Jones), que já gostava de blues na época, não tinha ideia de que Hendrix seria um dia o cara do mural na parede.


Assim como Hendrix, Jones é um herói da guitarra autodidata por direito próprio, sendo atraído mais tarde pelo estilo pouco ortodoxo de Hendrix e que lhe permitiu também tocar acordes e solos simultaneamente: “Na época você não percebia o quão inspirador isso era para sua forma de tocar”, disse Jones sobre compartilhar o DNA de Seattle com o ícone da cidade. “Guitarristas da cidade de Austin soam como Stevie Ray Vaughan porque esse é o herói da guitarra deles, tipo, esse era o 'gato' que passeava pela vizinhança deles. Em Seattle, se você veio da minha vizinhança, era Jimi Hendrix. Então, ele foi extremamente impactante e influente para o meu som”.


Essa herança de Seattle é parte do que também convenceu Eva Walker de que ela era Hendrix "reencarnada", de apenas 15 anos de idade. Pense nisso: ambos são de Seattle e amam a guitarra. Sendo vocalista/guitarrista da banda THE BLACK TONES, ela ri agora de seu raciocínio adolescente, embora você seja perdoado por confundir alguns de seus solos encharcados do pedal wah-wah com a 2ª vinda de Hendrix. Se não fosse pela lenda de Seattle, a feroz banda de garage-blues de Seattle de Walker — uma força líder na cena atual do rock em Seattle — talvez nunca tivesse surgido.


Walker se sentiu atraída pela guitarra desde os 09 anos de idade, mas foi somente no ensino médio que ela conseguiu uma guitarra emprestada de um de seus professores: “Eu me lembro que alguém me disse no ônibus ou algo assim: ‘Negros não tocam guitarra’. Fiquei envergonhada, sabe?” Isso a fez questionar se deveria continuar tocando guitarra: “Então eu descobri Jimi Hendrix e surtei, tipo: ‘Nossa! Negros podem tocar guitarra!’ Ele foi extremamente inspirador para mim”.


Como fã também das bandas da invasão britânica dos anos 60 que imitavam artistas negros de rhythm and blues dos EUA, foi só quando Walker começou a trabalhar no sentido inverso que ela percebeu que o rock 'n' roll foi criado por artistas negros como Sister Rosetta Tharpe, Chuck Berry e Little Richard, que certa vez esse último repreendeu um jovem e extravagante Jimi Hendrix por usar uma camisa muito chamativa, não querendo que seu músico de banda de apoio desviasse a atenção do público sobre Richard.


No panteão musical de Seattle, muito do foco tende a cair na era grunge. O improvável fenômeno cultural estimulado por uma mistura lamacenta de punk rock e heavy metal está fresco em nossa memória coletiva, onde muitas de suas figuras imponentes (quase inteiramente homens brancos) ainda são participantes ativos na comunidade musical de Seattle. Mas a herança musical da cidade não começou ou parou com os revolucionários vestidos com roupas de flanela que explodiram no mundo inteiro no começo dos anos 90, mas remontando pelo menos a Quincy Jones e aos antigos clubes de jazz da cidade como o Jackson Street.


Embora existam vários tributos a Hendrix espalhados pela cidade — da pequena estátua na Broadway da Capitol Hill ao museu Experience Music Project (agora chamado MoPOP) — vários artistas entrevistados para essa reportagem disseram que a cidade tem sido lenta para honrar adequadamente o legado de um herói local que alterou imensamente o curso da história da música em todo o planeta.


No entanto, a adição do Jimi Hendrix Park em 2017 foi um passo importante: “Há muita história esquecida porque estávamos tão focados em Kurt Cobain, isto que eu amo Kurt Cobain”, disse Walker, que intitulou o álbum de sua banda de “Cobain & Cornbread”, uma frase que ela usou uma vez para descrever o som do THE BLACK TONES. “Ele era ótimo, mas acho que até Kurt Cobain está cansado de ouvir coisas sobre Kurt Cobain”.


Nunca saberemos como a história da música teria se desenrolado sem Hendrix abrindo o caminho (nem gostaríamos de saber), mas sem dúvida, Hendrix ajudou a colocar o rock ‘n’ roll no caminho que, por fim, levou ao grunge: “Na minha opinião, Jimi Hendrix foi de muitas maneiras o primeiro astro do grunge”, disse Jones. “Ele foi o cara que aumentou o volume, o feedback, o som estéreo, o lance de tocar 'alto/baixo' e tudo isso. A música de Seattle - a cara do rock ‘n’ roll em geral - não seria o que é hoje sem a inovação de alguém como Hendrix”.


Jimmy James adicionou: “Você o ouve tocar a música ‘Wild Thing’ no Monterey Pop Festival em 1967 e percebe que tinha um som sujo ali, algo que você ouviria mais tarde em canções como ‘Smells Like Teen Spirit’ do NIRVANA ou em bandas como o MELVINS. Ele já estava no futuro antes mesmo que o futuro estivesse aqui”.


Embora os artistas grunge sejam frequentemente mais intimamente ligados à geração de bandas que nadaram na esteira da distorção de Hendrix, pelo menos um dos principais arquitetos do grunge foi fortemente inspirado por Hendrix: “Ouvir suas músicas na rádio quando eu tinha 10, 15, 20 anos de idade mudou a minha vida”, disse agora o guitarrista do PEARL JAM, Stone Gossard. “Sua arte é incomparável e ele mostra o que é possível em termos de universalidade da música. Particularmente a universalidade do blues e do rock ‘n’ roll, e a liberdade e o poder que essa forma pode ter... Sabe, eu penso muito em Jimi Hendrix”.


A história já foi corrigida, mas por anos, Hendrix — que era de ascendência negra e nativa americana — foi frequentemente descrito por fãs e pela imprensa como alguém que transcendia a raça. Nada poderia estar mais longe da verdade. Apesar de ter começado como membro das bandas de apoio para grandes artistas negros e de tocar música firmemente enraizada no blues, ele ficou magoado pelo fato de que as estações de rádio não colocavam sua música para tocar. Durante o último ano ou mais de sua vida, Hendrix fez esforços para se reconectar com seu público negro, tocando em um show ao ar livre no coração do bairro Harlem em New York (predominantemente povoado por negros) e por um momento de sua carreira tendo somente integrantes negros em sua banda, que ocasionou no seu último álbum lançado em vida no ano de 1970, "Band of Gypsys" (4º disco). Enquanto isso, sua base de fãs predominantemente branca - assim como a imprensa do rock naquela época - frequentemente o estereotipavam e alimentavam vários tropos racistas.


E para quem não sabe, Seattle se localiza muito longe (noroeste do Pacífico) do sul segregador dos EUA da época e mesmo assim sua cidade natal não estava isenta dessas divisões raciais no final dos anos 60.


“Afro-americanos em Seattle não estavam ouvindo as principais rádios da época”, disse Thaddeus Turner, um dos guitarristas mais versáteis e respeitados de Seattle e que faz apresentações covers de Hendrix. “Não estávamos ouvindo muita rádio convencional. Tínhamos aquelas poucas horas do dia em que a rádio KYAC tocava”, diz ele, referindo-se à 1ª estação de rádio de propriedade de negros de Seattle.


Criado escutando PARLIAMENT FUNKADELIC e Michael Jackson, foi só quando Turner chegou ao ensino médio que ele descobriu Hendrix por meio de guitarristas brancos de rock que conheceu na escola: “Para os negros, eles não pegavam os discos de Jimi Hendrix para ficarem escutando, porque era muita 'viagem' pra cabeça deles. E isso me lembra o dilema dos músicos negros em Seattle naquela época, tipo, se você não tem um público branco, então, geralmente você não tem público nenhum".


Enquanto os círculos de rock de todos os tipos permanecem predominantemente brancos, a representação negra está melhorando lentamente em Seattle e além. Embora ela esteja relutante em assumir muito crédito, Walker desempenhou um papel crucial em tornar a cena do rock de Seattle um lugar mais inclusivo, seja dividindo os palcos da sua banda, THE BLACK TONES, com outros artistas negros ou interpretando vozes diversas na rádio local da cidade em um programa que ela mesmo apresenta desde 2018.


“Muitos de nós temos uma história parecida de sermos chamados de ‘Oreo’ ou de sermos informados de que somos super brancos porque gostamos de rock. Muitas vezes, tanto da comunidade negra quanto da comunidade branca”, disse Walker. “Jimi Hendrix tinha um bom motivo para ficar chateado — eu fiquei chateada - mas também não é culpa da comunidade negra que eles foram apresentados com: ‘Hey, você não está incluído nessa coisa. Isso é uma coisa dos brancos, quer você goste ou não’, e não nos contaram a verdadeira história sobre isso. Então, o racismo fez com que esses comentários acontecessem em relação a Jimi Hendrix, a mim, a Jimmy James e outros...”


Embora as desigualdades raciais em todos os gêneros ainda existam na cena musical de Seattle, talvez a cidade possa ajudar a impulsionar esta cena além da fama de "Cidade Esmeralda" a qual ela recebe.


Desde que assinou com o antigo grupo da cantora Taylor Swift em 2020, chamado BIG MACHINE, Jones parece pronto para se tornar em um dos próximos embaixadores do rock de Seattle para o mundo exterior. Um papel que o orgulhoso morador de Seattle parece ansioso para preencher. No momento em que essa matéria foi escrita, a canção "Take Me Away", o 1º single de Jones desde que foi contratado, estava no Top 10 do ranking da Billboard chegando perto da versão solo da canção "Patience" de Chris Cornell, que está na 3ª posição.


“Se você olhar para as paradas de rock, há alguns artistas negros por aí liderando grupos realmente incríveis, mas em termos de artistas solo de rock agora, cara, isso é muito raro”, disse Jones encerrando sua entrevista.


Para todas as barreiras que Jimi Hendrix quebrou durante seu curto, mas extremamente influente tempo sob os holofotes, 50 anos depois, há muito mais progresso a ser feito. Mais do que uma estátua na Broadway, talvez o que abordamos aqui seja a melhor maneira de honrar seu legado.

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