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by Brunelson
Em 2000, PEARL JAM lançava o seu álbum mais soturno de toda a carreira, "Binaural" (6º disco), também descrito pelo guitarrista Stone Gossard como "a ovelha negra da família".
Esse álbum não parece ser muito apreciado pelos fãs e acreditamos nos seguintes fatores.
Primeiro: com exceção do disco de estreia, "Ten" (1991), todos os demais álbuns estavam sendo produzidos por um dos maiores produtores da história do rock, Brendan O'Brien, que tinha encapsulado o som da banda de tal maneira e que descia naturalmente dentro de nós. E chegando no álbum "Binaural", foi quando eles mudaram de produtor, Tchad Blake, que só por isso, já diz muito na forma como a sonoridade da banda poderia ser abraçada e exposta - e foi. Tanto que no fim do processo de gravação do disco, o grupo decidiu que não estava satisfeito com a mixagem de Blake e se voltou ao colaborador com quem se sentia mais confortável, o produtor Brendan O'Brien: "Tchad Blake tinha algumas boas ideias. Ele fez um ótimo trabalho nas canções mais lentas do álbum, como 'Nothing as it Seems', mas outras músicas eram mais difíceis pra ele, então, chamamos Brendan O'Brien para remixa-las e para deixar as canções mais pesadas", disse o guitarrista Mike McCready no livro PJ20.
Segundo: é aqui no disco "Binaural" que temos a estreia do baterista Matt Cameron (SOUNDGARDEN e TEMPLE OF THE DOG), o 5º baterista a passar pelo PEARL JAM e já fazendo parte da banda desde 1998 após as gravações do álbum "Yield" (5º disco, 1998), onde ele entrou no grupo para dar continuidade à turnê do mesmo. A sua levada na bateria é totalmente diferente dos bateristas que vieram antes dele, sendo Cameron um músico mais técnico do que os seus antecessores e que pra muita gente, fez modificar a sonoridade do PEARL JAM para pior e que tantos fãs das antigas ainda almejam que o grupo um dia irá retornar às origens. O que não é o caso desse autor que vos fala, que digo ainda que Cameron é o melhor baterista de todos que passaram pelo grupo. Porém, é plausível dizer mesmo assim que o baterista Dave Abbruzzese foi o que melhor se encaixou na sonoridade da banda nos anos 90. Se Abbruzzese seria ainda o melhor para essa nova etapa na carreira do PEARL JAM, onde eles foram se desgarrando do seu funk rock original para cair no punk rock em suas músicas quebraceiras, daí, pelo menos para a banda, ele não seria. Vale ressaltar que Cameron está no grupo até hoje e se tornou no baterista que mais gravou discos para a banda.
Terceiro: o vocalista Eddie Vedder estava passando por problemas (divórcio) com a sua companheira de longa data, o que talvez tenha refletido nas suas composições. Por sua vez, Vedder percebeu (conforme livro PJ20) que havia se deparado com o pior caso de bloqueio criativo que já experimentara em sua vida, o que ele reconhece com "bom humor" ao incluir o áudio de 30 segundos de sua máquina de escrever fazendo barulho de digitação, como uma faixa escondida no final do álbum. O mesmo vale para o guitarrista Mike McCready, onde é relatado também no livro que foi um milagre ele estar contribuindo criativamente em algumas músicas desse disco, como os solos devastadores e de puro grunge na canção "Nothing as it Seems", tudo porque o guitarrista lutava intensamente contra problemas de saúde e pessoais: "O álbum 'Binaural' é uma época sombria pra mim, com certeza. Eu estava lutando contra a doença de Crohn e contra o vício", disse McCready. "Eu tomava remédios para tratar isso e então, isto saiu do controle e ficou uma coisa sombria".
Quarto: o rock alternativo e grunge já tinha sido engolido pelas novas vertentes da época - música eletrônica, girl/boy bands e o new metal - dando mais motivos ainda para jogarem o disco "Binaural" de escanteio e deixando de ser valorizado como tal.
Quinto: a técnica que o PEARL JAM usou para gravar esse disco se chama binaural. Conforme wikipedia, a audição binaural, juntamente com a filtragem de frequências, permite aos animais determinar a direção da origem dos sons. É uma técnica de gravação e reprodução sonora bastante interessante, pois, com apenas 02 microfones, é possível criar o efeito de som ambiente (um para o ouvido direito e outro para o esquerdo). Um detalhe importante é que o efeito não é perceptível quando reproduzido em alto-falantes. Para percebê-lo claramente, é necessário ouvi-lo através de fones de ouvido. As gravações binaurais são feitas especificamente para serem ouvidas através de fones de ouvido. Isso porque, ao ouvir o som pelas caixas de som, o ouvido esquerdo e o direito podem ouvir o som proveniente de ambos os alto-falantes. Diferentemente ao ouvir o som através de fones de ouvido, o som do fone esquerdo é audível apenas para o ouvido esquerdo, enquanto o som do fone direito é audível apenas para o ouvido direito. Assim, uma vez que em uma mídia binaural a fonte de som é gravada por dois microfones separados que são colocados a uma distância comparável a de duas orelhas e não são misturados, a percepção do áudio se torna completamente diferente do usual. Em síntese, ouvir um áudio binaural por meio de fones de ouvido simula a audição real pela qual as pessoas ouvem sons ao vivo. Dessa forma, o ouvinte tem a impressão de estar próximo ao vocalista e consegue também ter uma noção da fonte sonora. Se o vocalista se distancia, o som parece estar mais longe, se ele se aproxima, o som parece estar mais perto. Se ele se aproxima mais do lado direito (do gravador), o áudio pode ser melhor percebido pelo ouvido direito, enquanto o som do lado oposto se distancia - e vice-versa com o lado esquerdo. PINK FLOYD também gravou o disco "The Final Cut" usando a técnica de gravação binaural.
Voltando ao tema principal e já sendo o seu 6º disco, somente o anterior e o primeiro álbum tinham ganhado seus videoclipes, onde no "Binaural" eles voltaram novamente a não querer produzir clipes para a MTV. Ou seja, independente dos argumentos acima, PEARL JAM ainda continuava na sua própria levada e filosofia, não se importando em querer se promover, divulgar vídeos ou muito menos ser capa de revista ou estar na mira dos holofotes para ficar em evidência - desde 1993 que eles perceberam isso para conservar sua saúde e sanidade mental.
Já sobre a música "Hitchhiker", Vedder deixou escrito: "A natureza tem a sua própria religião - It's evolution, baby! Quando os cervos e porcos selvagens correm, há plantas ao longo das trilhas que grudam as suas sementes espinhosas nas pernas de qualquer coisa que passa, logo, as plantas se espalham por quilômetros. Engenhoso isso... Em uma caminhada com o meu irmão, estávamos cobertos do joelho ao tornozelo dessas coisas e ele as chamou de 'caroneiros' (hitchhiker). Também serve como um apelido para os 'profissionais' que te abordam raivosamente por seu autógrafo, o qual depois eles irão dar meia volta e vender o seu autógrafo para outros. Também conhecido como os 'caneteiros azuis'”.
As canções com uma pegada mais hard rock seriam "Breakerfall" (soando como um THE WHO grunge), "Rival" e "Evacuation" - essa última de autoria de Matt Cameron (música) por ser tão estranha em algumas partes, sendo marca característica dos seus contratempos e recortes importados do SOUNDGARDEN. Tanto que está escrito no livro PJ20 que até o guitarrista Mike McCready teve dificuldades em entender a música "Evacuation" quando estavam no estúdio, a qual também apresenta 03 pontes.
Aproveitando o ensejo, a música "In The Moonlight" (não foi lançada no disco) também é de autoria de Cameron (letras, música e ele próprio toca a guitarra rítmica na gravação), sendo uma canção arrastada, com contratempos e toda grunge. Lançada na coletânea "Lost Dogs", Vedder deixou escrito no encarte do livrinho e que resume muito bem as músicas de Matt Cameron: "Matt compõe músicas e corremos atrás para encontrar os 'banquinhos' certos para chegar ao seu nível... O que vem naturalmente para ele, nos deixa com a cabeça inclinada como cães confusos que nós somos - eventualmente conseguindo entender. Nós já mencionamos que ele é o maior baterista do planeta em atividade?"
E assim como o PEARL JAM deixa registrado em cada álbum lançado (seja na íntegra ou parcialmente), a bateria tribal também se faz presente nas músicas "Of The Girl", "Parting Ways" e "Education" (essa última ficou de fora do disco). Lançada na coletânea "Lost Dogs", Vedder deixou escrito no encarte do livrinho sobre a canção "Education": "Matt Cameron, a sua família e eu, uma vez fomos para um lugar distante para tirar férias. Nos 02 primeiros dias em que estávamos compondo e gravando 01 música por dia, só depois que nos lembramos que estávamos de férias... Uma parte da letra diz: 'Sou uma semente / Imaginando por que cresce?' Isto me resume".
O experimentalismo característico do grupo também aparece na canção "Sleight of Hand" e "Sweet Lew", sendo essa última descartada do álbum e apresentando o velho funk rock da banda que foi sendo deixado de lado no decorrer do tempo. Ela foi composta pelo baixista Jeff Ament (letras e música) e fala sobre o lendário jogador de basquete, Kareem Abdul-Jabbar. Lançada somente na coletânea "Lost Dogs", o próprio baixista deixou escrito sobre a música "Sweet Lew" nos encarte do livrinho: "Eu amei e apaguei ao mesmo tempo... Eu idolatrei Lew Alcindor desde 1970 (famoso jogador de basquete, mais conhecido como Kareem Abdul-Jabbar) e até o conheci em 1994. Aos meus olhos que brilhavam, ele era um ser humano absoluto conseguindo lutar com Bruce Lee em um dos filmes do 'dragão'. Ele era inteligente, místico e mais importante, ele tinha mais de 2 metros de altura. O dia finalmente chegou e eu me apresentei a ele como um dos seus jogadores em um jogo amistoso de basquete. Mudo e com a sua completa falta de resposta ou interesse, o meu encanto caiu por terra... Eu queria me rastejar para debaixo de uma pedra, mas em vez disso, escrevi uma música baseada no mito urbano de que ele perdeu todo o seu dinheiro investindo em hotéis para pessoas altas (grandes). Enfim, eu pensei muito sobre esse momento e me perguntei quantas pessoas eu poderia ter desprezado inadvertidamente, só porque eu estava cansado ou apenas incapaz de pedir desculpas... Com 1,88m, já é um longo caminho para cair".
Lembrete também para a música "Soon Forget", sendo aqui a estreia de Vedder com o ukulele em uma gravação oficial, o que seria um dos seus alicerces no futuro em sua carreira solo.
Outra canção que ficou de fora do álbum e lançada na coletânea "Lost Dogs" é a lentinha "Fatal" (letra e música do guitarrista Stone Gossard). Vedder deixou escrito no encarte do livrinho: "Stone Gossard trouxe esta canção completa, com as letras e tudo mais. O refrão original dizia: 'As respostas em Platão', que seria uma referência filosófica, mas simplesmente não podia entrar no disco assim, pois iria soar como 'play-doh' (em inglês), daí a mudança para 'fatal'. Era a música favorita do produtor Tchad Blake, mas mesmo assim não foi lançada no disco".
As sessões de gravação do álbum "Binaural" simplesmente possuem um lote de lados-b que não foram lançados no disco que são tão bons, ou talvez, melhores do que as músicas que foram incluídas no álbum.
Porém, fica o grande destaque para uma música que foi lançada no disco e como single principal, "Nothing as it Seems", uma performance de arrepiar de autoria do baixista Jeff Ament (letra e música) e que simplesmente é uma das melhores canções de toda a carreira do PEARL JAM. O baixista deixou escrito no livro PJ20 sobre essa música: "A ideia era que no começo ela tivesse um clima realmente pesado no estilo PINK FLOYD. Então, me aproximei de Mike McCready (guitarrista) e disse: 'Preciso que você faça essa música funcionar. Ela não será boa o suficiente a não ser que você pense em algo simplesmente surreal'".
McCready fez exatamente isso, tocando com a sua lendária guitarra Fender Stratocaster Sunburst 1960 usando os pedais wah-wah e phaser para tirar um som inspirado por épicos do PINK FLOYD - como a música "Comfortably Numb". Desde então, esses mesmos pedais acabaram se estragando com o passar do tempo, impedindo que McCready reproduza em shows a mesma forma como ficou gravada no disco, sendo que ele ainda vê os vários solos desta canção como "um dos meus solos preferidos de todos os tempos".
Aproveito o ensejo para dizer que essas músicas do álbum "Binaural" (que foram lançadas no disco ou não), apesar de serem raras de aparecerem nos shows, são as que ficam melhores para se escutar ao vivo. Sem contar que cada versão ao vivo da música "Nothing as it Seems" é um deleite de se ouvir.
Me lembro muito bem onde e com quem eu estava quando escutei pela 1ª vez a canção "Nothing as it Seems" e que foi pela rádio. Não tinha conhecimento na época que o PEARL JAM estava lançando um novo disco e fiquei sabendo ali na hora pela rádio. Era um local onde não podíamos ficar muito tempo aguardando e a agonia de logo sair fora daquele local versus a vontade de ficar lá para escutar a música inteira, me marcou profundamente na minha vida.
Falando agora sobre o significado das letras dessas músicas, chama atenção de Vedder mudar um pouco o foco, onde ele não fala mais abertamente sobre si como antes, em vez disso, são visões de mundo de dentro pra fora... Nesse requisito, citaria somente as canções "Evacuation" e "Hitchhiker", além de "God's Dice" (letra e música de Ament). Abraçada a essa ideia, viria também aquela velha questão sócio-política com o bastão ficando para as músicas "Insignificance", "Grievance", além de "Rival" (letra e música de Gossard, que fala sobre o massacre em 1999 na Columbine High School no Colorado).
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