Steve Albini: icônico produtor morre aos 61 anos de idade
Segue a matéria especial que a revista britânica New Music Express publicou em homenagem ao produtor Steve Albini, que faleceu agora no dia 07 de maio de 2024 aos 61 anos de idade:
Em 2018, Steve Albini tinha sido entrevistado pela revista e detalhou seus conselhos para bandas emergentes que entram no estúdio para gravar um álbum e seus processos de gravação.
Com uma lista de créditos em sua carreira, a reputação do lendário produtor Steve Albini é como nenhuma outra. Sendo a pessoa por trás da mesa de som que gravou álbuns históricos do rock como "In Utero" do NIRVANA (4º e último trabalho de estúdio, 1993) e “Surfer Rosa” do PIXIES (1º disco, 1988), Albini é uma figura divina para muitos e seu nome é um selo instantâneo de aprovação.
Um pregador da gravação ao vivo e direto em fitas analógicas, seu legado vive em um mundo cada vez mais digitalizado, onde seu estúdio era a maneira perfeita de capturar a essência pura e ao vivo da música gravada. Também como vocalista/guitarrista de sua mais recente banda, SHELLAC, ele impulsionou a música de guitarras por décadas, ultrapassando os limites do som, da estrutura e inspirando gerações de novos artistas a simplificar o livro de regras.
Em sua entrevista, Albini falou sobre produção, gravação, a importância do ensaio e como as melhores partes dos discos são realmente feitas fora do estúdio.
Seja analógico, baby
“Toda a minha experiência é trabalhar no domínio analógico e arrisco que ninguém que esteja começando a gravar agora faria isso no domínio analógico. No paradigma digital, especialmente para as pessoas que trabalham de forma semi-profissional, o processo é muitas vezes misturado. Você escreve parte de uma música e fica tocando essa parte por um tempo, depois cria outra parte e costura as coisas em um computador, fazendo tudo isso simultaneamente: gravando, escrevendo, editando, processando, o que quer que seja. Essa é uma metodologia que eu não uso".
Não corra para o estúdio
“Todos os meus conselhos dizem respeito à preparação antes de iniciar a gravação. Faça a maior parte do trabalho que irá lançar no disco antes de entrar no estúdio, caso contrário, quando você estiver no estúdio estará trabalhando em um conjunto de problemas que você pré-ordenou. É claro que as coisas podem ser abstraídas a partir daí e você pode manipular as coisas no computador até certo ponto, mas o grau de abstração é menor no paradigma digital".
“A pré-preparação para a gravação é a parte mais importante. Nossa banda, SHELLAC, leva isso a um ponto meio estúpido, onde anos vão transcorrer entre a 1ª sessão de gravação e a 2ª. Não temos o tempo livre que a maioria das bandas tem, então, em 01 ano podemos fazer tantos ensaios quanto a maioria das bandas conseguem em 01 mês. Quando terminamos de gravar uma música, ela já poderá ter 03 ou 04 anos de vida. No show que iremos fazer hoje a noite, tocaremos 03 canções nas quais estamos trabalhando há alguns anos e que ainda não foram gravadas”.
Faça sua lição de casa
“Se você quiser fazer um disco na tradição clássica, você pode escrever, arranjar e ensaiar as músicas até ao ponto em que possa tocá-las, então, você faria uma sessão inicial onde você simplesmente faria isso, você apenas tocaria as músicas. Você pega uma mixagem inicial de uma canção, convive com ela por um tempo e aprende o que puder com ela, tipo, veja se há coisas que você deseja refazer e se há coisas que você deseja melhorar. Use isso como uma espécie de lição de casa para a próxima sessão de gravação. A próxima sessão seria onde você faria os overdubs, mixagem final e assim por diante. Essa sugestão vale tanto para um ambiente digital quanto para um ambiente analógico. Se você dividir a sessão de gravação em 02 partes e reservar 05 ou 10 dias entre elas, você terá a mesma quantidade de tempo padrão para gravar seu disco. Meu conselho seria: se você quiser passar um longo período de tempo trabalhando em um álbum como um processo, você precisa minimizar a quantidade de tempo que passa no estúdio e maximizar a quantidade de tempo na sala de ensaio - ou em conversas”.
Tome suas decisões com antecedência
“Quando você entra no estúdio, você rapidamente se transforma em uma série de opções, onde você tem que analisar se essa tentativa de gravação foi melhor do que aquela, ou se ficou melhor com '02 dessas' ou somente '01 dessa?'. Todas essas decisões se você acatar quando estiver no estúdio, será o momento mais caro para tomá-las. É o momento mais desgastante para decidir, sabe? Você tem tantas decisões a tomar que acaba não sendo capaz de dar todo o crédito a nenhuma delas. Ao passo que, se você puder passar algum tempo longe do estúdio conversando sobre essas coisas, poderá garantir que todos os envolvidos sejam ouvidos, garantir que todos apresentem seus argumentos, você pode até experimentalmente tentar coisas de edição ou adicionar coisas informalmente e ver se você vai ficar satisfeito com os resultados. Se estiver, você terá confiança sobre essas decisões quando chegar na hora de entrar no estúdio para gravar".
Não se deixe levar pela indústria da música
“Eu não acho que precisamos nos preocupar muito com o negócio fonográfico, só porque o negócio fonográfico é um aspecto tão trivial na carreira da maioria das bandas atualmente. A maioria das bandas ganha a vida tocando ao vivo agora, ou ocasionalmente alinhando suas músicas com outros projetos, como fazer filmes, sincronizar ou licenciar suas músicas para publicidade. O aspecto do relacionamento com a gravadora é bastante modesto atualmente. Ocasionalmente, as gravadoras ainda tentam ilicitar obrigações contratuais às bandas e há muito que defendo contra o uso de contratos na música, pois penso que os mesmos são contraproducentes. Eles tendem a criar um relacionamento adversário e colocam as bandas na defensiva. Acho que a indústria favorece o partido que tem mais dinheiro e recursos, e por isso que as gravadoras não protegem a banda... Eu não acho que os contratos sejam úteis”.
Mantenha isso pessoal
“Os contratos não têm lugar nas relações pessoais que desenvolvi ao longo dos anos. Não aconselho as pessoas a usá-los e tenho me dado muito bem durante mais de 30 anos sem estar contratualmente vinculado a ninguém, por nada. Sinto que essa é a maneira mais flexível e cooperativa de fazer as coisas. Digamos que você tenha um relacionamento com uma gravadora e todos se dão muito bem no início. Se você tem um contrato que o vincula a gravadora e se eles começarem a tratá-lo como um empregado ou começarem a tratá-lo mal, você ainda estará vinculado a eles, mesmo que seu relacionamento tenha mudado para pior. Se você não tem um contrato com a gravadora, eles são obrigados a mantê-lo feliz, ou então, você vai embora. Se vocês se derem bem, as coisas correrem bem e todos estiverem felizes, isso continuará naturalmente. Sinto que esse é o tipo de relacionamento mais estável e confiável: aquele que se baseia no 'sucesso' passado, o mais recente”.
Não fale com finalidade
“Para nós, a versão gravada é a versão gravada, e a música existe fora dessa gravação. Quando tocamos ao vivo as músicas que tocamos há 25 anos, muitas delas são bem diferentes de quando foram gravadas. Isso porque, para nós, a gravação é um artefato de existência da música, e não a versão definitiva e final. O fato da música estar gravada não a congela, exceto na versão gravada. As músicas da minha banda continuaram a evoluir à medida que aprendemos coisas e melhoramos em certos aspectos delas. Nada jamais é gravado em pedra para se manter do mesmo jeito no decorrer da carreira”.
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